A reação acima do tom dos chineses aos tuítes de Eduardo Bolsonaro indicam que Pequim se cansou do jogo duplo adotado pelo governo brasileiro diante das duas maiores economias do mundo: manter inalterada as relações econômicas com a China e, ao mesmo tempo, professar fidelidade ideológica a Donald Trump.
A crise global do coronavírus elevou a patamares preocupantes as tensões entre Pequim e Washington, que foram agravadas pela expulsão inédita de 13 jornalistas americanos da China na semana passada. O presidente dos EUA claramente escolheu a China como o inimigo externo no momento em que a realidade revela a irresponsabilidade de sua posição inicial de minimizar o impacto do coronavírus em seu país.
Ao responsabilizar a China pela epidemia global, Eduardo se alinha a Trump, que insiste em se referir ao coronavírus como “vírus chinês”. A prática contraria orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) para que se evite vincular epidemias a grupos específicos, que podem se tornar vítimas de discriminação.
O Brasil não precisa nem deve escolher nenhum dos lados na disputa entre EUA e China, e pode manter uma saudável equidistância e sobriedade, o que atende aos interesses do País. Não há dúvida de que o Partido Comunista Chinês cometeu uma série de erros nas semanas iniciais da epidemia. Os mais graves foram a supressão de informações sobre o novo vírus e a demora em adotar medidas drásticas para combatê-lo.
Mas comparar a situação ao desastre soviético de Chernobyl e decretar que “a culpa é da China”, como fez Eduardo, não ajuda em nada no enfrentamento da imensa crise sanitária que atinge o Brasil, na qual o auxílio de Pequim pode ser necessário.
“O atual governo brasileiro é um seguidor próximo do governo Trump do ponto de vista ideológico, mas eles são oportunistas e hipócritas em termos de cooperação nos terrenos de economia e comércio com a China”, disse ao Global Times Zhou Zhiwei, pesquisador de América Latina na Academia Chinesa de Ciências Sociais (ACCS), o think tank oficial do país, cujas posições refletem o pensamento do Partido Comunista. Segundo Zhou, os políticos brasileiros anti-China precisam encarar a realidade de que os laços econômicos com o país asiático são mais importantes do que os existentes com os EUA.
Quase 30% das exportações brasileiras são destinadas à China, o dobro do que é vendido ao mercado americano. O país asiático é o principal cliente do agronegócio brasileiro, que forma uma das bases de sustentação do governo Bolsonaro. Mas a pauta de exportações do Brasil para os EUA tem uma presença maior de produtos manufaturados e de maior valor agregado, enquanto as vendas para a China são dominadas por commodities como soja, minério de ferro e petróleo.
A forte dependência econômica parecia ter suavizado a hostilidade de Bolsonaro em relação a Pequim e revelado os limites de sua política de alinhamento incondicional com os Estados Unidos de Trump. Mas os tuítes de Eduardo evidenciaram o impulso da primeira-família em ecoar a ideologia do atual ocupante da Casa Branca.
Outra pessoa próxima de Bolsonaro, o jornalista Alexandre Garcia, tem disseminado teorias conspiratórias disparatadas, que apresentam o coronavírus como uma criação chinesa para dominar a economia mundial. Isso apesar da perspectiva de que o PIB chinês continuará a sofrer com a retração da demanda global por seus produtos, na medida em que a doença se espalhe por outras regiões.
A China sempre concebeu a relação com o Brasil como algo que vai além do comércio e dos investimentos e abrange a coordenação política em fóruns multilaterais e a defesa de posições comuns de interesse de países emergentes. Bolsonaro parece acreditar que pode colher os benefícios econômicos e ignorar o lado político do relacionamento. A crise atual pode forçá-lo a mudar de posição.
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