O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu neste domingo, 4, a lei que criou o piso nacional da enfermagem. O ministro deu 60 dias para entidades públicas e privadas da saúde esclarecerem o impacto da norma sobre a situação financeira de Estados e municípios, a empregabilidade e a qualidade dos serviços de saúde.
A decisão foi dada no bojo de uma ação impetrada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), que questionou a constitucionalidade da lei publicada no dia 5 de agosto. O despacho será levado para referendo no Plenário Virtual do STF.
Segundo o ministro, é inquestionável a ‘relevância dos objetivos’ que levaram à edição da lei, assim como a ‘conveniência da valorização das categorias profissionais de que depende a adequada prestação dos serviços de saúde’. No entanto, Barroso considera que ‘é preciso atentar, neste momento, aos eventuais impactos negativos da adoção dos pisos salariais impugnados’. “Pela plausibilidade jurídica das alegações, trata-se de ponto que merece esclarecimento antes que se possa cogitar da aplicação da lei”, registrou.
O ministro do STF viu ‘evidente perigo na demora’ em analisar o pedido de suspensão feito pela CNSaúde, ‘tendo em vista a incidência imediata do piso salarial e o alegado risco à prestação dos serviços de saúde, ante a ameaça de demissões em massa e de redução da oferta de leitos hospitalares’.
“Tenho que os efeitos colaterais advindos da dificuldade de implementação dos pisos, variável conforme a realidade de cada região do país, podem impactar a promoção do princípio constitucional da busca pelo pleno emprego e do direito constitucional à saúde”, registrou.
O ministro entendeu que era necessário colher informações dos entes estatais e órgãos públicos competentes, bem como das entidades representativas das categorias e setores afetados pela lei, antes de analisar os demais pedidos da CNSaúde.
Sobre o impacto financeiro da norma, terão de prestar esclarecimentos os 26 estados e o Distrito Federal, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e o Ministério da Economia. Já sobre o alegado risco de demissões, se manifestarão o Ministério do Trabalho e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Quando ao possível risco de fechamento de leitos e redução nos quadros de enfermeiros e técnicos, deverão prestar informações o Ministério da Saúde, conselhos da área da saúde e a Federação Brasileira de Hospitais (FBH).
Com relação às instituições privadas, Barroso assinalou que, aquelas que ‘tiverem condições de, desde logo, arcar com os ônus do piso constante da lei impugnada, não apenas não estão impedidas de fazê-lo, como são encorajadas a assim proceder’. “As circunstâncias constitucionais e fiscais aqui apontadas não significam que o valor não seja justo e que as categorias beneficiadas não mereçam a remuneração mínima”, indicou.
Segundo o ministro, as questões constitucionais discutidas na ação impetrada no STF ‘são sensíveis’. “De um lado, encontra-se o legítimo objetivo do legislador de valorizar os profissionais de saúde, que, durante o longo período da pandemia da Covid-19, foram incansáveis na defesa da vida e da saúde dos brasileiros. De outro lado, estão os riscos à autonomia e higidez financeira dos entes federativos, os reflexos sobre a empregabilidade no setor, a subsistência de inúmeras instituições hospitalares e, por conseguinte, a própria prestação dos serviços de saúde”, indicou.
Entenda a ação
A lei questionada no STF estabeleceu piso salarial de R$ 4.750 para os enfermeiros, valor que serve de referência para o cálculo do mínimo salarial de técnicos de enfermagem (70%), auxiliares de enfermagem (50%) e parteiras (50%).
Na ação impetrada na Corte máxima, a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços sustenta que a norma tem ‘vícios de inconstitucionalidade’. O argumento da entidade é o texto sobre o piso salarial dos enfermeiros tem origem parlamentar e ‘usurpa prerrogativa de Chefe de outro poder’. Segundo a CNSaúde, a edição ‘de lei que determine aumento de remuneração de servidores públicos é de iniciativa privativa do Chefe do Executivo’.
A entidade diz também que a lei sancionada no inicio de agosto, ‘desrespeita a auto-organização
financeira, administrativa e orçamentária dos entes subnacionais, tanto por repercutir sobre o regime jurídico de seus servidores, como por impactar os hospitais privados contratados por Estados e Municípios para realizar procedimentos pelo SUS’.
Além disso, sustenta ‘violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e aponta efeitos práticos adversos que decorreriam da lei’. “Nesse sentido, sustenta que o seu conteúdo esvazia a liberdade de contratação e negociação de forma muito restritiva; não considera as desigualdades regionais que tornam o piso inexequível em algumas unidades da Federação; e cria distorção remuneratória, já que o piso salarial dos médicos é inferior ao previsto para os profissionais
da enfermagem”, registrou Barroso no despacho dado neste domingo, 4, ao elencar os argumentos da CNSaúde.
Com a palavra, a Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante
A decisão do STF de hoje estanca em caráter emergencial uma sangria que iria tornar insustentável a manutenção dos serviços de diálise pelo país. O Ministro Barroso demonstra, nas entrelinhas de sua decisão, indignação de como se pode promulgar uma lei sem definir fontes de financiamento e, ainda mais, não se pensar na sustentabilidade da saúde no pais.
A Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT) – que entrou como amicus curiae na ADI da CNSaúde – continua na luta para que o Ministro da Saúde entenda que, independentemente de decisão judicial sobre a Lei 14434/2022, o desequilíbrio econômico financeiro para as as clínicas de diálise que atendem a quase 90% dos pacientes do SUS se mantém.
“A decisão do Ministro Barroso evidencia o quão frágil é o sistema de saúde pública no Brasil. A ABCDT se coloca diante das autoridades públicas, principalmente Ministério da Saúde, para discutir todas as condições para melhorar todo o sistema de Terapia Renal Substitutiva, inclusive com melhores salários para os nossos colaboradores. Entendendo porém que toda melhoria será em vão se não chegar na nossa razão de existir, que é o paciente”, destaca o presidente da ABCDT, o médico nefrologista Yussif Ali Mere Junior.
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