Quatro anos depois de uma disputa em que o então candidato Jair Bolsonaro mostrou ser possível vencer a corrida ao Palácio do Planalto praticamente sem tempo de TV no horário gratuito, a importância das redes sociais subiu de patamar. A ideia de usá-las apenas para interagir friamente com eleitores restou ultrapassada. Agora, a construção da imagem de um candidato, segundo especialistas, depende de mobilização de eleitores voluntários na internet e também de um trabalho multidisciplinar no mundo offline para que as mensagens cheguem a públicos variados.
Neste universo, da cor da gravata ao timbre de voz, tudo é passível de ser trabalhado por equipes que abrangem de profissionais do teatro à saúde, para aumentar as intenções de voto. Na liderança das pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou uma gravata verde e amarela em recente encontro com o presidente da Espanha, Pedro Sánchez, para imprimir imagem de estadista no início de seu périplo pelo exterior.
O atual presidente, por sua vez, exigiu um ato modesto, sem festa, para se filiar ao PL. Bolsonaro quis passar uma mensagem oposta à do ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro, que se filiou antes ao Podemos. O partido de Moro organizou um megaevento, em auditório muito maior do que a oportunidade exigia. Nem todos os convidados compareceram.
VOZ. Na esperança de ser o nome mais importante da terceira via, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça recorreu à fonoaudiologia para corrigir a voz estridente. “O Brasil não precisa de líderes que tenham voz bonita. O Brasil precisa de líderes que ouçam e atendam a voz do povo brasileiro”, desconversou ele, em novembro, ao discursar na cerimônia de filiação ao Podemos. Àquela altura, porém, Moro não apenas fazia impostação de voz como treinava dicção e técnicas de oratória.
“Aparência é fundamental? Com certeza. No dia do seu casamento, você não vai todo esculhambado. Se os candidatos soubessem o poder da voz, falariam menos”, diz o publicitário Duda Lima, há 20 anos no marketing de campanhas.
Segundo especialistas, é comum que alguns candidatos recorram a profissionais de teatro para aliar uma boa postura com o tom de voz adequado ao interagir com eleitores. A ideia é que o candidato caminhe com naturalidade, por exemplo, e não se mostre uma pessoa muito “dura”. No entanto, as características do debate político na internet também reduziram o peso das estratégias convencionais de marketing eleitoral. A naturalidade, ainda que não aquelas recomendadas nos manuais políticos, é sempre bem-vinda.
PALHAÇO. “Com as redes sociais, o candidato está mais exposto, não dá para esconder nada. Com Collor criou-se uma imagem de caçador de marajá, por exemplo”, lembrou Duda Lima, numa referência ao atual senador Fernando Collor (PROS-AL), eleito presidente em 1989. “Hoje, com tanta informação, não dá mais para construir um candidato.”
A opinião é compartilhada pelo cientista político Gaudêncio Torquato. “Você não pode transformar um palhaço em um cara muito sério, nem um cara muito sério em um palhaço. O que o eleitor quer é naturalidade, espontaneidade. O voto está saindo do coração para a cabeça. O eleitor está mais racional.”
ORGÂNICO. Nesse contexto, ficou mais complexo fazer uma campanha na internet. Para o economista Maurício Moura, CEO do IDEIA Big Data e especialista em psicologia política pela Universidade de Stanford, é preciso produzir peças de campanha que façam com que os apoiadores se sintam motivados a disseminar as mensagens. Esta seria a chamada “rede orgânica” nas plataformas.
“Não existe um presidenciável hoje, no planeta Terra, que possa dispensar uma estrutura digital de 360º: coleta de dados, de conteúdo via celular ou qualquer outro tipo de mídia, uso de todas as redes sociais e da web. Isso deixou de ser um diferencial para ser uma premissa”, afirma ele.
Uma chegada de afogadilho nas redes, segundo Moura, tende a não funcionar. A preparação de cadastros, de influenciadores, de canais e de mensagens replicáveis pode levar meses ou anos. “Todo contato é uma oportunidade de coletar informação, consentimento, fazer um cadastro e isso se retroalimenta ao longo do tempo”, diz. “O conteúdo da campanha acaba no mandato: jingle, slogan, vídeos. Mas a organicidade da disseminação de conteúdo, as redes que se criaram, andam para frente.”
Uma das maneiras de reforçar a rede virtual é coletar informações de apoiadores a cada contato físico com o candidato. Em junho do ano passado, uma ‘motociata’ do presidente em São Paulo serviu para que o grupo de bolsonaristas por trás do ato construísse um polêmico banco de dados com informações de 500 mil pessoas que se interessaram pela manifestação. Bolsonaro e Lula estão isolados na corrida, no quesito mobilização de redes orgânicas.
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