O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta evita se apresentar como potencial candidato à Presidência em 2022 neste que é o pior momento da pandemia de covid-19 no Brasil. Segundo ele, nem a devolução dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve precipitar definições de futuras candidaturas. “Espero que esse debate possa ser feito mais para frente, porque as reações não costumam ser lúcidas. Podem surgir nomes novos até lá”, disse. Neste processo, o ex-ministro afirmou que seu partido, o DEM, pode “com certeza abrir mão de encabeçar uma chapa presencial” por uma candidatura de consenso.
O sr. diz que Lula e Bolsonaro representam os extremos, mas Rodrigo Maia (DEM-RJ) fez elogios ao petista e descartou a comparação entre eles. Isso é sinal do racha no DEM ou no centro?
O racha é na sociedade, e os partidos refletem isso. Esse racha, aliás, é que tem de acabar. Há 30 anos vivemos essa lógica da divisão. Os dois apostam exatamente nesta divisão. Lula e Bolsonaro são iguais, mas em sinais contrários. Os dois têm a mesma estratégia de comunicação direta, mas se acostumaram ao raciocínio pequeno, tosco, não têm um projeto de nação, de transformação geracional, só de poder.
Lula fez aceno ao centro, dizendo que procurará todos para conversar. O que acha disso?
Esse aceno é tão frágil como o de Bolsonaro na direção do uso da máscara e da defesa da vacina. São movimentos “fake”, sem qualquer reflexão. E, para mim, não existe o “centro”. Existem, sim, pessoas centradas, com bom senso, sensatas, capazes de dialogar. Esses polos radicais têm 20% de cada lado, a maioria da população não quer saber disso, quer um projeto de País.
A possibilidade de Lula concorrer em 2022 força os partidos que buscam opção a essa polarização a uma definição mais célere por um candidato em comum?
Olha, uma coisa foi boa. Se o ministro (Edson Fachin, do STF) tivesse tomado essa decisão em meados do ano que vem, seria pior, acabaria com qualquer tentativa de racionalidade no debate. Agora, ao menos, ainda estamos distantes da hora da urna. Mas acho que as crises submersas em função da pandemia vão eclodir todas ao mesmo tempo, nos obrigando a pensar numa saída. Espero que esse debate possa ser feito mais para frente. Podem surgir nomes novos até lá.
O sr. é pré-candidato?
Todas as minhas energias estão voltadas agora no que posso ajudar nessa situação de vida e morte. Vai chegar uma hora em que vamos terminar de enterrar nossos mortos e pensar na reconstrução do terreno. Esse debate eu topo, estou preparado para ele. Não vejo por que a eleição tenha de ser Lula contra Bolsonaro, direita contra esquerda.
O DEM abriria mão de encabeçar candidatura por esse projeto de País de que o sr. fala?
Com certeza. Somos um partido plural, temos nossas discussões internas e saberemos qual o nosso momento. O cenário hoje é de pesadelo, o que nos força a trabalhar ainda mais neste sentido.
O anúncio feito pelo PSDB de lançar em outubro, após prévias, um candidato próprio atrapalha esse processo?
Acho que cada partido tem a sua lógica. Os partidos estão conversando.
Luciano Huck é levado em conta nesse projeto no DEM?
Pode ser, claro. Huck é uma pessoa de comunicação, que é superimportante. Tem um programa de visibilidade, o que também é importante. Se vier para o DEM será muito bem-vindo.
Se isso ocorrer, vocês serão concorrentes no partido?
Não é um concorrente meu, não. O meu projeto é de nação, e um projeto desse não tem concorrente. Todos, mesmo os mais radicais, têm de ser contemplados.
Como o sr. vê o comportamento de Bolsonaro na pandemia?
A estratégia, neste primeiro ano de pandemia, foi a de levar as pessoas de encontro ao vírus. É um comportamento que serve de álibi para outras pessoas fazerem o mesmo. A voz dele (Bolsonaro) tem um peso absurdo nessa história. E, agora, ele tenta se repaginar, dizendo que a vacina é sua arma.
A que o sr. atribui a mudança?
É uma reação, acho, do ponto de vista eleitoreiro.
Se Bolsonaro ocupa um desses extremos que o sr. critica, por que aceitou participar dele como ministro da Saúde?
Quando fui chamado, Bolsonaro me garantiu que poderia montar minha equipe de forma técnica. Convidei os melhores do Brasil. Só que quando a hora do trabalho técnico se revelou, não era o que ele queria, mas o político, cuja consequência era a tragédia. Quando me deparei com isso, decidi que não iria abrir mão dos meus valores, mas não pedi para sair. Se me pôs, me tira.
Sem vacina, sem coordenação nacional e com 2,3 mil mortos em um dia, o que é possível fazer para reduzir mortes e contágio?
Temos de pensar em estratégias novas, mais desafiadoras. E não estou só falando em lockdown, que virou o bicho-papão, mas pode ser um dos remédios amargos que funcionem. Precisamos de estratégias diferentes para locais e sistemas de saúde diferentes. Só o atual ministro da Saúde nega que estamos em colapso. Mas ele não sabe nem o que é uma sala de emergência lotada, não tem noção do que é intubar um paciente. E é por ele que seguiremos liderados? É isso que nos falta: liderança.
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