Deputados e senadores indicaram quase R$ 2 bilhões em emendas parlamentares para repasse direto a Estados e municípios neste ano, sem intermediação dos ministérios nem pente-fino do Tribunal de Contas da União (TCU). O volume das chamadas emendas sem carimbo é três vezes maior do que o indicado em 2020, quando foram pagas pela primeira vez.
Com a transferência direta, prefeitos e governadores podem usar o recurso em qualquer área, sem prestar contas no momento do repasse, diferentemente do que ocorre com outros tipos de emendas, carimbadas para projetos específicos. A fiscalização das transferências especiais caberá aos tribunais locais.
Emendas parlamentares são recursos indicados todos os anos por deputados e senadores no orçamento da União e é usado por eles como ferramenta para aumentar o cacife político em seus redutos eleitorais. O pagamento é obrigatório, mas o momento da liberação é negociado com o Executivo, e serve como moeda de troca por votos em projetos de interesse do governo no Congresso.
Em 2020, essas emendas totalizaram R$ 621,2 milhões e, neste ano, ficarão em R$ 1,979 bilhão, conforme proposto pelos parlamentares no projeto de Lei Orçamentária (LOA). A proposta deve ser votada no Congresso até o próximo dia 24.
O argumento dos congressistas para escolher esse tipo de emenda é a rapidez para a chegada da verba em obras e projetos de interesse nos redutos eleitorais. Como não passam por ministérios nem precisam de atestado técnico de órgãos como a Caixa Econômica Federal, o risco de o recurso ficar “pendurado” e atrasar é menor, afirmam.
Das emendas empenhadas nos últimos seis anos, por exemplo, R$ 28,6 bilhões ainda não foram pagos. No caso das transferências especiais, tudo foi pago no mesmo ano, o que ampliou a adesão do Congresso a esse tipo de indicação.
“Antes, se a obra dependia da Caixa, eram seis anos até receber o recurso. Tinha prefeito que não via a obra acontecer. Hoje, a gente manda e ele faz em sete meses”, afirmou o deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), que indicou R$ 7,5 milhões para o Ceará nessa modalidade. “A fiscalização na ponta é tão eficiente quanto na esfera federal. Talvez até melhor, porque os órgãos estão próximos de quem está executando a obra.”
As transferências especiais são autorizadas para emendas individuais, aquelas indicadas por cada deputado e senador no Orçamento. Uma mudança na Constituição, em dezembro de 2019, permitiu esse recurso no Orçamento para os anos seguintes. Agora, o Congresso avalia ampliar o modelo sem carimbo para aquelas indicadas coletivamente por parlamentares de um mesmo Estado. Não há consenso, porém, sobre essa ampliação porque parlamentares de oposição aos governadores de seus Estados resistem a repassar recurso livre às administrações estaduais.
O primeiro ano das emendas sem carimbo, em 2020, serviu como um teste, na avaliação dos parlamentares. Vendo os recursos chegarem com mais rapidez em relação às outras indicações, a adesão aumentou. “Realmente, só conseguirei verificar o exato uso na prestação de contas, mas espero que o dinheiro público chegue o quanto antes a quem precisa”, disse o senador Plínio Valério (PSDB-AM), autor de R$ 1,980 milhão em emendas sem carimbo.
Transferências de 2020 ainda não foram fiscalizadas
O Tribunal de Contas da União (TCU), que fiscaliza as contas do governo federal, e o Ministério da Economia, responsável pelas transferências indicadas pelos parlamentares, ainda não verificaram onde foi gasto o dinheiro repassado por meio de emendas especiais, sem carimbo, no ano passado, quando houve eleições municipais.
As transferências especiais, segundo o TCU, ainda não foram tratadas em nenhum processo específico, mas serão contempladas na análise das contas do presidente Jair Bolsonaro, a ser enviada ao Congresso em junho. Na prática, porém, a fiscalização depende da prestação de contas feitas por Estados e municípios. “Como o controle do atendimento dessas condições fica a cargo do governo local, a prestação de contas pelo ente beneficiário torna-se crucial na verificação e na fiscalização do cumprimento da legislação”, disse o TCU.
Em resposta ao Estadão, o Ministério da Economia classificou esse tipo de emenda como um “marco inovador, uma vez que essa nova modalidade proporciona mais simplicidade na transferência desses recursos”. A pasta criou uma plataforma na internet para acompanhar os repasses para prefeitos e governadores – eles não são obrigados, porém, a prestar contas de como gastaram o dinheiro nesse portal. “O acompanhamento da execução desses recursos deve ser realizado pelos órgãos de controle competentes, como os Tribunais de Contas Estaduais e Municipais.”
Pela Constituição, as emendas sem carimbo passam a pertencer aos municípios e Estados no momento da transferência. Pelo menos 70% precisam ser aplicados em investimentos e não podem entrar na conta de arrecadação a ponto de aumentar as despesas com o pagamento de servidores. Quem recebe pode aplicar o recurso onde quiser, o que é criticado por órgãos de controle por representar um “cheque em branco”.
“Nunca acompanhei prestação de contas. Isso é feito pelos prefeitos para os tribunais. É uma novidade muito recente”, afirmou o deputado Júlio Cesar (PSD-PI), que colocou R$ 6,1 milhões em emendas livres para municípios do Piauí.
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