As discussões sobre o Orçamento de 2022, aprovado na semana passada pelo Congresso, deram largada ao debate eleitoral sobre um dos principais temas que devem permear as campanhas no ano que vem: a revisão do teto de gastos. De um lado, defensores da regra afirmam ser importante manter o mecanismo que limita o aumento de despesas do governo para assegurar a estabilidade econômica. Do outro, críticos veem a regra como responsável por impedir o crescimento do País e pelo aumento da pobreza.
O teto de gastos foi criado em 2016, no governo do ex-presidente Michel Temer, para manter a sustentabilidade das contas públicas, e chamada tecnicamente de âncora fiscal. Esse limite é corrigido todos os anos pela variação da inflação acumulada em 12 meses do ano anterior. A revisão da regra estava programada para 2026, dez anos depois de entrar em vigor, mas ocorreu neste ano com a aprovação da PEC dos Precatórios.
A pressão para uma nova mudança passou a fazer parte tanto da agenda do presidente Jair Bolsonaro (PL), em busca da reeleição, quanto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder nas pesquisas de intenção de voto.
Para viabilizar o Auxílio Brasil, programa social que substituiu o Bolsa Família, com benefício de R$ 400, Bolsonaro articulou uma alteração no índice de correção do teto, que passou a ser o fechado do ano – antes era até junho. Desta forma, conseguiu abrir uma margem de R$ 113,1 bilhões no Orçamento de 2022, o que atendeu não só as famílias carentes, mas interesses eleitoreiros de parlamentares com mais emendas e verbas para campanha. “A questão do teto realmente é... eu sei que tem equilíbrio de contas, um montão de coisas aí, mas é mortal”, disse o presidente Jair Bolsonaro durante um almoço com jornalistas na sexta-feira, véspera de Natal.
O ataque ao teto tem respaldo de aliados do governo no Congresso. “Não adianta termos excesso de arrecadação de mais de R$ 300 bilhões se nós não pudermos alocá-los em despesas já contidas no Orçamento”, afirmou o líder do governo na Comissão Mista de Orçamento (CMO), Claudio Cajado (PP-BA).
Interlocutores de Lula também defendem mudanças na âncora fiscal e dizem que isso estará entre as prioridades do petista em um eventual futuro governo. “É necessária uma revisão ampla dessa política que impede o País de se desenvolver, de crescer e de distribuir renda”, disse o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
Investimentos
Uma das articulações que têm ganhado força no Congresso é a proposta de retirar os investimentos do teto. Em 2022, essas despesas vão somar R$ 44 bilhões, o menor nível da história. Assim, o governo poderia aumentar recursos enviados para obras, por exemplo.
Mas além da demanda por investimentos federais, há pressão por aumento na área social. Mesmo com o Auxílio Brasil de R$ 400, o programa representará queda nas despesas com transferência de renda em comparação aos dois anos anteriores. Além disso, 22 milhões de famílias que receberam o auxílio emergencial durante a pandemia de covid-19 ficarão sem proteção e poderão engrossar as filas.
“Será muito complicado um candidato ter um discurso de manter o teto da maneira como está sem qualquer reforma ou flexibilização. Mesmo os mais liberais e defensores do teto não fariam uma campanha como essa”, afirmou o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper.
Controle
Além da mudança no teto, as eleições também devem definir o futuro do controle sobre as verbas federais. Para 2022, estão previstos R$ 16,5 bilhões das chamadas emendas de relator, base do orçamento secreto, revelado pelo Estadão. Pelo mecanismo, Bolsonaro distribui recursos a um seleto grupo de deputados e senadores, que definem como e onde o dinheiro público deve ser alocado, mas sem critérios mínimos de transparência. Em troca, o governo recebe o apoio desses parlamentares no Congresso.
Na sexta-feira, o presidente admitiu que aliados próximos são privilegiados com as emendas de relator, identificadas pelo código RP-9, ao falar sobre a escolha de um novo líder do governo no Senado, cargo vago após a saída de Fernando Bezerra (MDB-PE). “Há interesse, óbvio (de parlamentares em ocupar o posto). Tem porta aberta comigo, porta aberta no Palácio do Planalto, tem RP-9, tem um monte de coisa. Tem cargo no governo também.”
Lula, por sua vez, afirma ser necessário que o presidente da República recupere o poder sobre o Orçamento. “É preciso acalmar, redefinir o papel de cada um, a Câmara e o Senado legislarem corretamente, o presidente da República executar e administrar corretamente e o Poder Judiciário julgar cumprindo aquilo que está na Constituição”, disse o petista em outubro.
Para Consentino, quem for eleito em 2022 só retomará o controle do Orçamento se chegar ao poder com capital político suficiente para redefinir a balança. “Hoje, o presidente está muito refém do Congresso e uma reeleição de Bolsonaro continuaria ou pioraria nesses termos. Um outro presidente oposicionista, Lula, Sérgio Moro ou João Doria, que ganhe com algum capital político, terá uma gordura a mais para gastar e pode tentar pautar novamente essa relação de maneira mais favorável ao Executivo.”
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