O governo prepara uma Medida Provisória para melhorar o instrumento de transação tributária para as empresas - quando há uma negociação direta e individual com perdão de algumas dívidas - mas líderes do Congresso e setores empresariais pressionam para que a medida seja ampla e inclua também um novo programa de parcelamento de débitos tributários, chamado de Refis. Esse novo programa também beneficiaria pessoas físicas ao abranger tributos como o Imposto de Renda e parcelas atrasadas do eSocial, a plataforma de registro para o cumprimento de obrigações trabalhistas e tributárias.
Na semana passada, a Câmara não conseguiu concluir a votação do Refis e acabou deixando para 2022 a votação do projeto. Como mostrou o Estadão, as críticas das empresas foram generalizadas porque as micro e pequenas empresas conseguiram o Refis numa votação rápida, enquanto as médias e grandes empresas, além das pessoas físicas, ficaram sem o programa. Uma articulação nos bastidores se intensificou para incluir o Refis na MP, o que permitiria abrir o prazo de adesão acelerando o processo para a votação na volta do recesso parlamentar em fevereiro.
O mecanismo de transação, apelidado pelo ministro da Economia de “passaporte tributário” permite a renegociação direta com o governo mas a negociação depende de caso a caso. Já o Refis tem regras para todas as empresas e pessoas físicas.
A discussão da MP ainda está em aberto, sem uma posição final da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional sobre o alcance da ampliação do "passaporte tributário".
Rejeição
A equipe econômica resiste a um Refis robusto, tendo em vista o impacto fiscal, superior a R$ 90 bilhões, levando-se em conta as condições colocadas pela Câmara. Acredita que mudanças na lei de transação tributária são mais bem "direcionadas" aos contribuintes mais afetados pela pandemia e avaliam que o programa até agosto foi um "sucesso". Há espaço para aperfeiçoamentos com regras mais vantajosas. Uma forma de desestimular a aprovação de um novo Refis.
O relator do projeto do Refis na Câmara, deputado André Fufuca (PP-MA), disse ao Estadão que, se houver MP, terá que vir com o Refis. “Os empresários querem o Refis. O sistema de transação é bem mais complexo do que o Refis. O Refis qualquer um pode participar. Transação, não. É a PGFN quem escolhe quem participa”, afirmou.
Para o relator, a edição da MP seria importante pela urgência que um novo programa requer diante da necessidade das empresas. “É uma matéria que envolve o Brasil inteiro. São milhares de empresários e pessoas físicas e jurídicas que precisam do Refis”, ponderou ele, acrescentando que a cobrança tem sido grande a todos os parlamentares.
Hoje, existem três modalidades de transação tributária: por proposta individual do contribuinte, na cobrança de créditos que já foram inscritos na dívida ativa da União, ou por adesão, nos casos de disputa tributária de grande valor, judicial ou administrativa, ou em litígios de pequeno valor, somente judiciais.
O projeto do Refis, que não foi votado, acrescenta regras mais vantajosas à transação tributária. Permite, por exemplo, a ampliação de 50% para 70% do limite de redução do valor das dívidas a serem negociadas com a União por meio da transação.
O prazo máximo para quitar os créditos negociados fica mais favorável ao contribuinte devedor: passa de sete anos (84 meses) para 10 anos (120 meses).
O texto também permite a renegociação de créditos que ainda não foram inscritos em dívida ativa. Além disso, caso aprovado, seria possível negociar o pagamento de créditos não tributários administrados por autarquias e fundações públicas federais, como multas e taxas.
Precatórios
O contribuinte também poderia utilizar precatórios federais, próprios ou de terceiros, para reduzir o saldo devedor negociado. Esse mecanismo foi acrescentado na tentativa de reduzir o estoque de precatórios a ser pago pela União nos próximos anos.
Outro desejo antigo de empresas foi acrescentado ao projeto: eventuais prejuízos fiscais apurados poderão ser utilizados como moeda de troca na hora da negociação, para diminuir a dívida.
“Seria uma excelente notícia para os contribuintes, especialmente depois de a pandemia ter feito terra arrasada nos resultados dos negócios”, disse o advogado tributarista Matheus Bueno, sócio do Bueno & Castro Tax Lawyer. Para ele, as medidas equivalem a “um Refis de ótimas condições”.
Em agosto, o Ministério da Economia informou que o programa de transação tributária permitiu, durante a pandemia, a celebração de 300 mil acordos para o pagamento de dívidas, em R$ 100 bilhões de créditos negociados. Os setores que mais se aproveitaram do mecanismo foram indústria de transformação, construção e educação.
O advogado tributarista Breno Vasconcelos, pesquisador da FGV e do Insper, disse que as medidas tendem a impulsionar a procura pela transação tributária, hoje não tão vantajosa. "Considerando que muitos dos clientes que atendemos ainda não veem as possibilidades de transação como muito vantajosas, acreditamos que essas mudanças, com ampliação de benefícios para os contribuintes, poderão aumentar o interesse de alguns deles", avaliou Vasconcelos.
Para o advogado tributarista Luiz Bichara, a transação é uma maneira que os contribuintes têm de responder às suas pendências com desconto, que não é desprezível. Mas ele destacou que é preciso melhorar a utilização de prejuízo fiscal. “A MP seria uma maneira e até uma jogada de enfraquecer a pressão pelo Refis”, disse Bichara.
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