Para desviar da narrativa de furo no teto de gastos para bancar o aumento temporário do Auxílio Brasil em ano eleitoral, a ala política defende uma mudança na correção do limite de despesas, segundo apurou o Estadão/Broadcast. De acordo com um integrante do governo, a medida poderia liberar mais de R$ 40 bilhões do Orçamento de 2022.
A proposta que agora está na mesa, e que ainda depende de uma decisão final, é mudar a fórmula do teto, que hoje é corrigido pelo IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior ao de sua vigência. A ideia é adotar a correção da inflação de janeiro a dezembro.
A avaliação é que isso resolveria o impasse de onde encaixar o gasto adicional para levar o Auxílio Brasil a R$ 400, como quer o presidente Jair Bolsonaro e foi revelado pelo Estadão/Broadcast na segunda-feira, 18. Os cálculos exatos da “folga”, porém, ainda estão sendo mantidos sob reserva.
Pela regra atual, o teto teria uma correção de 8,35%, ou R$ 124,1 bilhões. A variação não é muito distante das expectativas para o ano fechado, que estão em 8,69%, segundo o Boletim Focus, do Banco Central. Mesmo, para casas mais pessimistas, a inflação poderia ficar entre 9% e 10%.
A reportagem tentou questionar integrantes do governo sobre como uma diferença nessa magnitude na correção do teto poderia abrir espaço para mais de R$ 40 bilhões. Ainda não está claro se haverá ou não outro componente na correção, ou alguma outra mudança nessa proposta de forma a liberar um espaço maior.
O custo da ampliação do Auxílio Brasil em 2022 deve ficar em R$ 51,1 bilhões, somados o reajuste permanente de 20% e a parcela temporária que levará o benefício ao piso de R$ 400.
Na quarta-feira, 20, no Ceará, após confirmar o pagamento dos R$ 400, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que não haveria furo no teto. “Temos a responsabilidade de fazer com que recursos saiam do Orçamento da União, ninguém vai furar teto, ninguém vai fazer nenhuma estripulia no Orçamento. Mas seria extremamente injusto deixar 17 milhões de pessoas com valor tão pouco (sic) no Bolsa Família”, afirmou.
Negociações
Novas reuniões na manhã desta quinta-feira, 21, devem ser decisivas para bater o martelo em torno da proposta final, que deverá ser incorporada pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) em seu parecer da PEC dos precatórios, enviada originalmente para tratar do “meteoro” de dívidas judiciais, que atingiram R$ 89 bilhões em 2022.
A equipe econômica não tem simpatia pela proposta de mudar a correção do teto, vista como um “jeitinho que não ajuda”. A aposta dessa ala é na “licença para gastar”, no valor de R$ 30 bilhões. A avaliação é que fixar um valor máximo na PEC dos precatórios ajudaria a frear pressões por mais gastos.
A própria “licença”, no entanto, já vinha sendo alvo de forte pressão nos bastidores, uma vez que a ala política quer garantir espaço também para emendas parlamentares, turbinando recursos que são direcionados às bases eleitorais de congressistas.
Nas últimas horas, a possibilidade de mudança na correção do teto de gastos foi tratada com integrantes da cúpula do Congresso Nacional e representantes do Palácio do Planalto, além do próprio relator da PEC, deputado Hugo Motta. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a preocupação é evitar a narrativa de que o governo está furando o teto de gastos, embora na prática a regra possa sofrer uma grande alteração para fazer caber a despesa ambicionada pelo governo em ano eleitoral.
Um técnico experiente ouvido pela reportagem alerta que o “malabarismo retórico” em torno de furar ou não o teto não será suficiente para aplacar o temor do mercado financeiro com as mudanças. Na manhã desta quinta, o dólar chegou a quase R$ 5,70 na abertura, embora tenha arrefecido na hora seguinte.
A costura política da solução via correção do teto ainda está sendo feita e há preocupação com o clima político na Câmara dos Deputados para essa proposta avançar, sobretudo depois de o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), ver frustrada sua tentativa de aprovar uma PEC que previa mudanças no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
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