Um grupo de políticos, economistas e representantes de movimentos de renovação organizou um discurso e ações para a construção de uma alternativa de centro no persistente cenário polarizado da política nacional. A defesa de uma agenda liberal na economia e, ao mesmo tempo, “progressista” na área social vem sendo reiterada por nomes como o economista e ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e líderes políticos como o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (sem partido) e o presidente do Cidadania, Roberto Freire. Como na tentativa frustrada de lançar um “outsider” na disputa presidencial do ano passado, esta articulação tem como peça central o apresentador Luciano Huck.
O empresário recuou dos apelos para entrar na corrida pelo Planalto em 2018, mas mantém atividade intensa em grupos de renovação política como o RenovaBR e o Agora! – surgidos a partir de 2016 na esteira do impeachment de Dilma Rousseff (PT) e do desgaste dos partidos. Estes movimentos elegeram, juntos, 17 parlamentares. Em outra ação concreta, Armínio desenvolveu um instituto para desenhar políticas públicas na área de saúde – ainda sem lançamento oficial, mas já em funcionamento no Rio.
Antigo PPS, o Cidadania incorporou nomes de três dos principais grupos de renovação política – Livres, Acredito e Agora!. Por essa proximidade, é considerado, até o momento, um provável destino para uma experiência eleitoral do “novo centro”.
No campo teórico, a defesa do “liberalismo progressista” tem sido apresentada como uma recuperação do centro político do País que, mais identificado com a candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB), fracassou na eleição presidencial do ano passado. “Dos liberais reformistas aos militantes da centro-esquerda, esse eixo da política brasileira está se recompondo”, disse Hartung ao Estado.
Para Huck, “o povo está cada vez com mais dificuldade em rotular as posturas e pensamentos entre direita, esquerda ou centro”. Mas é preciso “chutar com as duas pernas”. “Enxergo a eficiência de agenda liberal e do Estado no tamanho necessário, sempre atribuída ao pensamento de direita, como o melhor caminho. Ao mesmo tempo, o olhar social, inclusivo e de redução de desigualdades, sempre atribuído à esquerda, é prioridade absoluta se quisermos colocar o Brasil em outro nível de desenvolvimento econômico e social”, afirmou ao Estado.
Apresentador vem assumindo papel de contraponto a Bolsonaro
A articulação que envolve uma eventual candidatura de Huck considera que há, ainda, “uma eternidade” até as eleições de 2022, mas o apresentador já vem assumindo o papel de contraponto a Jair Bolsonaro. E é tratado como eventual adversário pelo presidente, que declarou publicamente a intenção de concorrer a um segundo mandato.
Em meados do mês passado, durante um evento em Vila Velha (ES) com Hartung, Huck fez seu pronunciamento mais enfático sobre o presidente. Reiterou bandeiras como investimento em educação, combate à desigualdade social e defesa da ética na política. Indiretamente, criticou Bolsonaro ao dizer que quem alega que não há fome no Brasil “não está vendo”. Afirmou ainda que o País não está vivendo “o primeiro capítulo da renovação”, mas, sim, “o último capítulo do que não deu certo”.
Bolsonaro reagiu mandando o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) divulgar lista com mais de cem financiamentos de compra de jatinhos executivos da Embraer, com juros subsidiados, durante os governos petistas. Uma das empresas do apresentador foi beneficiária, captando R$ 18 milhões. O presidente criticou a operação e atacou quem “fica arrotando honestidade”.
O episódio recolocou Huck na cena política e reavivou a discussão sobre um projeto situado entre o discurso radical de Bolsonaro e a agenda do PT, dominada pelo mote “Lula livre”. “Como os extremos, em ambos os lados, fazem muito barulho, pouco conteúdo e nenhum diálogo, acabam contribuindo muito pouco”, observou o apresentador.
“Huck está fazendo política”, afirmou o analista da XP Investimentos Richard Back. “O Cidadania tem a ideia de viabilizar a candidatura do Luciano Huck. Como ele tem bom trânsito com esses movimentos, melhor ainda”, disse Freire.
Com origem no “Partidão”, referência ao velho Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922 e de linha pró-soviética, o Cidadania negocia uma fusão com Rede e PV. “Isso está em aberto. Com essa cláusula de desempenho não podemos descartar essa hipótese”, afirmou Freire. O partido acredita que poderá ser o “destino natural” de jovens com atuação de destaque no Legislativo nestes primeiros meses de mandato e ameaçados de expulsão em suas siglas, como os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP).
A crença em um projeto de centro passa também pela análise de que Bolsonaro tende a se isolar num extremo da direita. Oito meses após tomar posse, o presidente ainda não conseguiu criar uma base partidária consistente de apoio e afastou potenciais aliados como o DEM – que, embora possua filiados em três ministérios, procura se afastar do bolsonarismo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), faz acenos ao PSDB de João Doria e ao próprio Huck.
Pesquisa CNT/MDA divulgada na segunda-feira passada mostrou que o índice de desaprovação do desempenho pessoal de Bolsonaro aumentou significativamente, chegando a 53,7%, ante 28,2% em fevereiro.
'O sistema se polarizou muito', afirma Armínio
O economista e ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga afirmou que o País precisa de um modelo que concilie as agendas liberal e social. Um dos expoentes da ideia de um novo centro na político nacional, Armínio – que presidiu o BC na gestão Fernando Henrique Cardoso – considera que a ideia de um “liberalismo progressista” pode ser comparada a um resgate da “raiz” da social-democracia do PSDB.
Crítico da atual polarização, ele avaliou que o governo de Jair Bolsonaro optou por um caminho diferente. “O sistema se polarizou muito. De um lado, a esquerda, suposta pelo menos, não entregou muito nem merecia em vários aspectos ser chamada de esquerda. A esquerda do ‘bolsa empresário’, altamente corrupta, a esquerda do Brasil velho. Ao mesmo tempo, um modelo liberal mais radical tem, no mundo, tido muita dificuldade. No Brasil, na área econômica, também não tem sido capaz de resolver as coisas”, disse Armínio ao Estado.
Para ele, a desigualdade social do País “dificulta muito uma agenda reformista”. “Sem mercado é difícil imaginar um país se desenvolvendo, mas sem Estado bom que ofereça as bases para uma rede de proteção social, sem essas características, eu não vejo uma economia podendo se desenvolver.”
Armínio fundou recentemente um instituto no Rio para desenvolver políticas públicas na área de saúde. “A ideia é procurar repetir no mundo da saúde o que já existe no campo da educação, onde há realmente um esforço da sociedade civil”, afirmou. “O instituto tem por objetivo não pensar em temas de medicina, de ciência, mas de desenho do setor e, sobretudo, de políticas públicas.”
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