O cenário da saúde pública de Teresina ainda enfrenta alguns desafios corriqueiros, especialmente quando se trata das longas filas de regulação. Com isso, muitas pessoas têm procurado a esfera judicial para assim fazer valer seu direito, e até mesmo salvar vidas. Nos últimos 30 dias, a Justiça piauiense deferiu pelo menos 15 pedidos de liminares em que pacientes, em estado gravíssimo e correndo risco de morte, pleiteavam uma vaga na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de hospital especializado.
Em muitos desses casos, o longo tempo de espera traça uma linha tênue entre a vida e morte, conforme apresentado em uma dessas ações. No dia 28 de fevereiro, o juiz da 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública da Comarca de Teresina, Markus Calado Schultz, diante da condição clínica grave de um dos pacientes que ingressou com pedido de liminar, se baseou no art. 196 da Constituição Federal para fundamentar sua decisão sobre a transferência imediata de um idoso enfermo para um hospital adequado.

Nesse artigo, lê-se: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Uma das situações levantadas pelo GP1 envolve uma paciente diagnosticada com choque séptico e em estado de coma profundo (Escala de Glasgow 3). Intubada e sedada, ela corre risco de falência múltipla de órgãos e ingressou na fila de regulação para uma UTI no dia 9 de fevereiro.
Ela foi considerada prioridade máxima, porém permaneceu quase três semanas sem atendimento adequado, sem nenhuma previsão de transferência. Em 27 de fevereiro, uma decisão liminar proferida 18 dias após ela ingressar na regulação determinou seu imediato encaminhamento a uma UTI. Nesse processo, o magistrado ainda determinou que, em caso de falta de leitos no HUT, o município providenciasse o encaminhamento dela para a rede estadual ou para hospitais privados, às custas do poder público.
Assim como no caso citado, muitos dos pacientes que ingressaram com ação judicial, embora apresentassem um quadro clínico grave e estivessem incluídos na fila de regulação como prioridade máxima, permanecem em leito de estabilização por mais de 10 dias devido à falta de vagas, colocando a vida dessas pessoas em risco. Entre esses pacientes estão jovens, idosos, pessoas com câncer, etc.
Especialista alerta para colapso na saúde pública
Para o advogado Abelardo Silva, especialista em direito administrativo, a situação representa um colapso na saúde pública de Teresina, especialmente na Fundação Municipal de Saúde (FMS). Ele ainda indicou que a solução do problema pode resultar de uma intervenção estatal ou federal.
“Há poucas semanas, a Prefeitura de Teresina e a FMS decretaram estado de emergência na saúde. Isso significa que todas as barreiras administrativas foram flexibilizadas para que o município pudesse tomar medidas urgentes e resolver o problema. Mas o caso continua, pacientes em estado crítico continuam sem atendimento e a única forma de conseguir um leito de UTI ainda é por decisão judicial. Diante dessa falência administrativa, não há mais espaço para soluções paliativas. A única medida realmente eficaz e imediata para regularizar essa situação é a intervenção do Estado ou da União”, declarou o especialista.
Em relação à demanda de ações judiciais que envolvem o atendimento médico na rede pública municipal, o advogado ainda destacou que os prejuízos causados pela morosidade na concessão de vagas, que somente são obtidas por meio jurídico. “Teresina é considerada um polo de saúde, recebendo diariamente dezenas ou até centenas de pessoas vindas de todos os cantos do estado, especialmente do interior. Muitas chegam apenas com a roupa do corpo, sem qualquer estrutura em busca de atendimento médico. Como essas pessoas, que muitas vezes sequer sabem da existência da Defensoria Pública, teriam tempo, dinheiro ou conhecimento para acionar a Justiça e garantir um leito de UTI? A realidade é que a grande maioria simplesmente morre sem ter qualquer chance de lutar por seus direitos”, ressaltou Abelardo Silva.
O que diz a FMS
Ao GP1, a FMS enviou nota informando que a ocupação dos leitos de UTI tem apresentado um aumento contínuo em todo o Brasil e que a regulação desses leitos deve ser sempre baseada em critérios técnicos que permitam seu melhor gerenciamento. Confira abaixo a nota na íntegra:
Nota de Esclarecimento
A Fundação Municipal de Saúde (FMS) vem a público esclarecer o que segue:
A ocupação dos leitos de UTI tem apresentado um aumento contínuo em todo o País e representa uma demanda dinâmica. Por essa razão, a regulação desses leitos deve ser sempre baseada em critérios técnicos que permitam seu melhor gerenciamento. A regulação é um ato médico, e os pacientes devem ser encaminhados, sendo observado o critério de gravidade.
Para otimizar a assistência dos pacientes em fila, a FMS tem adotado medidas como a construção de mais leitos de UTI no HUT, para ampliar a oferta de vagas, a coordenação eficiente do sistema de regulação para alocação de pacientes que aguardam em fila, além da qualificação do quadro de pessoal, através de concurso público.
Informamos ainda que a FMS tem recebido decisões judiciais controversas para alocação de pacientes em fila de espera para a UTI. Entendemos que questões individuais não podem se sobrepor as questões coletivas. Nesse sentido, a Procuradoria Geral do Município está tomando as providências cabíveis ao caso.
O sistema de regulação municipal é responsável pela regulação dos leitos de UTI e da sala vermelha, seguindo o critério de gravidade dos pacientes. Quando uma demanda é deferida pelo juiz, não há garantia de que esse critério esteja sendo respeitado, o que compromete a capacidade de resposta do serviço, dado o limite da capacidade instalada.
Informamos ainda que, em nossa rede de saúde, dispomos de leitos de UTI no Hospital de Urgência de Teresina (HUT), o maior hospital de urgência e emergência do estado, que atende pacientes de vários municípios do Piauí. Nesta nova gestão, foi retomada a construção de mais leitos desse tipo nesse hospital; porém, é fundamental, que haja a ampliação/ descentralização dos leitos de UTI em todo o estado do Piauí, para desafogar a demanda deste hospital que é gerenciado pelo município.
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