O presidente Jair Bolsonaro disse neste domingo, 23, em frente à Catedral Metropolitana de Brasília, ter "vontade de encher de porrada” um repórter do jornal O Globo. A atitude gerou forte reação de entidades em defesa da liberdade de imprensa, que cobraram uma "reação contundente" dos Poderes Legislativo e Judiciário.
Durante uma visita à feirinha de artesanato no local, ao descer do carro, Bolsonaro foi questionado pelo jornalista sobre repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), à primeira-dama Michelle Bolsonaro.
“Vontade de encher tua boca de porrada”, respondeu Bolsonaro ao repórter. Jornalistas que acompanhavam a visita questionaram se a declaração era uma ameaça, mas o chefe do Executivo não respondeu e seguiu com a visita. Depois, voltou ao Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. O Palácio do Planalto foi questionado pelo Estadão sobre o teor da frase, mas respondeu que não iria comentar.
"É lamentável que, mais uma vez, o presidente reaja de forma agressiva e destemperada a uma pergunta de jornalista. Essa atitude em nada contribui com o ambiente democrático e de liberdade de imprensa previstos pela Constituição", afirmou o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech.
Em nota, o jornal O Globo repudiou a "agressão do presidente". "Tal intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor público, não importa o cargo, de prestar contas à população. Durante os governos de todos os presidentes, O Globo não se furtou a fazer as perguntas necessárias para cumprir o papel maior da imprensa, que é informar os cidadãos. E continuará a fazer as perguntas que precisarem ser feitas, neste e em todos os governos.”
"O presidente vinha muito bem nas últimas semanas. Com sua moderação estava contribuindo para a pacificação do debate público. Lamentável ver a volta do perfil autoritário que tanta apreensão causa nos democratas. Nossa solidariedade ao jornalista ofendido e ao jornal O Globo", disse o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz.
No início da noite, em nota coletiva, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Artigo 19, Conectas, Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB e Repórteres Sem Fronteiras disseram que a atitude de Bolsonaro é incompatível com as regras mínimas de convivência social e própria das ditaduras. As entidades cobraram uma "reação contundente" dos poderes Legislativo e Judiciário.
"A reação, ao ouvir uma pergunta incisiva, foi não apenas incompatível com sua posição no mais alto cargo da República, mas até mesmo com as regras de convivência em uma sociedade democrática. Um presidente ameaçar ou agredir fisicamente um jornalista é próprio de ditaduras, não de democracias", afirma a nota.
"Essa ameaça de agressão física se soma a um histórico de forte hostilidade de Bolsonaro contra jornalistas e marca um novo patamar de brutalidade. Desde o início de seu mandato, em janeiro de 2019, Jair Bolsonaro vem demonstrando carecer de preparo emocional para prestar contas à sociedade por meio da imprensa, uma responsabilidade de todo mandatário nas democracias saudáveis. Jornalistas têm sido vítimas de agressões verbais constantes ao cumprir sua obrigação profissional de questionar o presidente sobre ações do governo federal e indícios de corrupção ao longo de sua carreira política", dizem as entidades no comunicado.
Jornalistas também se mobilizaram nas redes sociais e publicaram centenas de mensagens ao presidente no Twitter repetindo a pergunta feita pelo repórter de O Globo: "Presidente Jair Bolsonaro, por que sua esposa Michelle recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?" O movimento ganhou a adesão de usuários nas redes, como artistas e políticos.
Movimentações do extrato bancário de Márcia de Oliveira Aguiar, anexados à investigação sobre suposto esquema de "rachadinha" no gabinete do senador Flávio Bolsonaro enquanto era deputado estadual no Rio, registram que seis cheques da mulher do ex-assessor Fabrício Queiroz foram compensados em favor da mulher do presidente Jair Bolsonaro em 2011, totalizando R$ 17 mil. Somados aos depósitos feitos por Fabrício tempos depois, o total chega a R$ 89 mil.
Parlamentares e partidos também criticam fala
O PSDB disse em nota que a fala do presidente "desrespeita a liberdade de imprensa" e "não condiz com o cargo". "O presidente volta a mostrar apreço por posturas agressivas e antidemocráticas", publicou o perfil oficial do partido no Twitter. O MDB, por sua vez, pediu respeito aos jornalistas. "O presidente da República precisa se retratar."
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) classificou a fala de "inaceitável". Sâmia avaliou que o aumento da popularidade do presidente o encoraja a voltar a ativar sua base militante. "Bolsonaro bem comportado é uma ilusão. Durou pouco", declarou à reportagem. Sâmia, hoje líder do PSOL na Câmara, disse que declarações como a deste domingo "mostram a que o presidente veio".
Para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), parlamentar com um histórico de embates com o presidente, o ataque ao jornalista é "gravíssimo". "Na democracia, tal atitude não pode ser tolerada. Chega deste tensionamento diário. Fora Bolsonaro", publicou Maria do Rosário no Twitter. O também petista Alencar Braga (SP) chamou a atitude de "ira de mafioso".
O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) afirmou que Bolsonaro cometeu os crimes de injúria e ameaça ao jornalista e que praticou “crimes de responsabilidade, contra o livre exercício de direitos individuais e contra a probidade na administração”. “Em vez de tentar calar jornalistas com ofensas ou ameaças, Bolsonaro faria melhor se tentasse explicar por que Queiroz depositou na conta da primeira-dama R$ 89 mil”, afirmou o deputado fluminense. “Nós acrescentaremos estes crimes ao pedido de impeachment já apresentado pelo PSB contra Bolsonaro. Sem liberdade de imprensa, não há democracia”, disse Molon.
Entre os senadores, Humberto Costa (PT-PE) classificou o episódio como "absurdo". Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que Bolsonaro tem "medo". "O medo de responder é tão grande que Bolsonaro quer silenciar quem o fiscaliza de toda forma. Ele vai dizer o mesmo à Justiça?", questionou o parlamentar, no Twitter.
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