O grau de isolamento da população e a velocidade do governo na adoção de medidas de combate à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus esquentaram o debate nos últimos dias sobre a profundidade do impacto econômico e a capacidade de retomada do Brasil após o fim da emergência sanitária. Uma recessão em 2020 é dada como certa, mas o futuro ainda está cercado de incertezas.
Enquanto o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, sinalizam a necessidade de retomar desde já a atividade produtiva, economistas têm engrossado os alertas de que uma desorganização na economia do País pode ocorrer a despeito de uma política de confinamento mais flexível, como prega o presidente, e que o foco agora deve estar na rede de proteção a famílias e empresas, além dos investimentos na saúde.
O Banco Mundial já emitiu avisos de que as projeções não descartam “várias ondas da pandemia”, o que requer uma abordagem global para seu combate, incluindo a busca por uma vacina e preparo das economias. Se essas “ondas” se confirmarem (como na gripe espanhola, que teve três grandes ondas), algum tipo de confinamento pode durar mais tempo, impondo severos impactos sobre a atividade e retardando a recuperação.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) calcula que cada mês de quarentena reduz em dois pontos porcentuais o crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) dos países.
Por outro lado, estudos sugerem que um sacrifício maior agora pode compensar: o tombo mais profundo no curto prazo daria lugar a uma recuperação mais veloz à frente. Essa avaliação consta em um artigo de economistas do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, divulgado na quinta-feira, 26. Eles analisaram a estratégia de combate à pandemia da gripe espanhola em 1918 – embora tenha ocorrido há um século, ela tem sido considerada como a única “comparável” ao momento atual.
“Cidades que interviram mais cedo e de maneira mais agressiva não tiveram performance pior, pelo contrário, elas cresceram mais rápido após o fim da pandemia. Nossos achados indicam que intervenções não farmacêuticas não só reduzem a mortalidade, mas também mitigam as consequências adversas da pandemia sobre a economia”, diz o estudo, que analisou o desempenho de 43 cidades norte-americanas.
No Brasil, economistas avaliam que o impacto econômico já está evidente, mas ainda é possível salvar vidas e amenizar as consequências para as famílias no futuro – o que seria crucial para amortecer o choque e acelerar a retomada. A principal ponderação é que, mesmo com a reabertura agora de comércio e serviços, as famílias simplesmente podem não consumir se acharem que suas vidas continuam correndo risco. Alguns setores como entretenimento e turismo podem até desaparecer momentaneamente enquanto esse comportamento durar.
“A crise já afetou a economia, e a gente ainda não colheu os benefícios de frear os impactos na saúde”, alerta a economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV). “O efeito econômico já está contratado. O de saúde ainda pode ser contido”, acrescenta.
Para ela, o governo demorou a emitir sinalizações cruciais aos empresários e trabalhadores de que daria o respaldo necessário para conter a crise. Com isso, algumas companhias começaram a demitir, o que contribui para tornar mais permanentes os efeitos do choque. A recuperação agora tende a ser mais lenta – e não será uma flexibilização na quarentena que impedirá isso. “Não tem como escapar de um efeito devastador, de saúde ou de economia, as duas coisas estão juntas e vão ser ruins no Brasil”, diz.
Como mostrou o Estadão/Broadcast na semana passada, dois terços das medidas anunciadas pelo governo para socorrer empresas e trabalhadores ainda não saíram do papel. O Senado ainda precisa aprovar um auxílio emergencial de R$ 600 mensais para trabalhadores informais – só depois disso é que a Caixa poderá montar sua operação para distribuir o dinheiro. O auxílio aos empregados formais que tiverem redução de jornada e salário sequer foi proposto pelo governo.
“Quando chegar o recurso do governo, pode ser um pouco tarde. E ainda tem o risco de ele não chegar onde mais precisa”, afirma a economista do Ibre/FGV. Após uma crise econômica, o emprego costuma ser uma das últimas variáveis a se recuperar.
A equipe econômica tem buscado traçar cenários para o pós-crise e ainda conta com uma melhora na atividade a partir do segundo semestre de 2020. Guedes já manifestou publicamente a preocupação com a possibilidade de um isolamento prolongado desorganizar as cadeias produtivas e comprometer a saída da crise pelo Brasil. Ele tem defendido o retorno gradual e aproveitou um vídeo divulgado na sexta (27) para fazer o alerta de risco de desabastecimento, inclusive de produtos de saúde. O ministro tem conversado com empresários de vários setores.
Em entrevista recente ao Estado, o ex-vice-presidente e ex-diretor executivo do Banco Mundial Otaviano Canuto se disse mais preocupado com a falta de renda das famílias para comprar comida do que com uma eventual crise de desabastecimento. “A recessão virá, uma depressão longa. Elas (as medidas) não são suficientes para lidar com o impacto social que a crise vai trazer. O diabo de tudo isso é que o choque simultâneo de oferta e demanda tem um efeito primordialmente sobre certo conjunto de serviços, empresas, de trabalhadores”, disse.
O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, alerta que, para evitar um quadro de depressão na economia, é preciso fazer com que os bancos alonguem os prazos das dívidas dos seus clientes.
Pesquisa que será divulgada pela CNC na segunda-feira (30) mostra que, em março, o endividamento dos brasileiros atingiu a máxima histórica em março, com 66,2% das famílias com a renda comprometida com dívidas de cartão de crédito, cheque especial, crédito pessoal, crédito consignado, carnês, financiamentos de carros, financiamentos de imóveis, entre outros. Segundo ele, os números dos endividados vai aumentar com a crise da pandemia da covid-19 e os bancos continuam retraídos.
“Os bancos não querem dar dinheiro novo, nem querem alongar. Querem comprar só títulos públicos. O BC tem que reduzir mais os juros para os bancos ganharem menos dinheiro ao comprarem os títulos públicos”, afirma, lembrando que os bancos estão com recursos disponíveis. Segundo ele, se os bancos não fizerem isso, haverá uma quebradeira geral. “As empresas não vão pagar, as pessoas não vão pagar e vai ser uma quebradeira geral. Os bancos também vão quebrar na frente”, adverte.
O setor de comércio, um dos mais prejudicados pelo confinamento forçado da crise, previa um aumento das vendas do varejo de 3%, mas a previsão já é de uma queda de 4% e pode ficar pior. Para ele, é preciso evitar que o País entre numa depressão. “Ainda não estamos numa depressão. Estamos começando uma recessão. Agora, depressão é coisa mais grave. Tem que esperar um pouco mais, Nos próximos dois, três meses, vamos ver se a recessão vai virar depressão.”
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