Com uma lista de reivindicações de 17 itens em que o primeiro, escrito com letras maiúsculas, é “anistia”, os policiais militares amotinados em Fortaleza, Ceará, se concentram na sede do 18º Batalhão da corporação, no bairro Antônio Bezerra. No entroncamento de três ruas, há viaturas policiais com pneus esvaziados, o que impede a aproximação de carros. Dentro do batalhão, os porta-vozes do movimento são cabos e sargentos com até 10 anos de vida militar, que participaram de um motim parecido em 2011 e que dizem se sentir traídos por considerar que acordos firmados naquela ocasião não foram cumpridos.
Com seis dias de motim completados ontem, os batalhões têm PMs na dúvida se devem deixar os rostos cobertos ou não, dada a associação das balaclavas com criminosos e as cenas de mascarados dirigindo viaturas e mandando fechar o comércio de Sobral, no interior do Estado, na última quarta-feira, quando o senador licenciado Cid Gomes (PDT) foi baleado ao avançar com um trator contra os amotinados.
“Quando falamos em anistia, é em relação ao processo disciplinar, não a eventuais crimes”, diz o ex-deputado federal Cabo Sabino, que recebeu o Estado no domingo, em uma sala com quatro praças. Apontado como líder do motim, ele é um dos 230 policiais afastados pelo governo cearense.
Tanto em Fortaleza como em Sobral o que se vê nos quartéis amotinados são PMs na casa dos 30 anos, muitos de chinelo e bermuda, liderados por políticos de oposição ao governador Camilo Santana (PT). Estão preparados para dias de confinamento. Há água e alimento estocados pelos cantos, e marmitas chegam o tempo todo. “O policial que decidiu fazer greve vai até o fim. Já não tem nada a perder”, disse um dos amotinados, que aceitou dar entrevista sem revelar o nome, identificando-se apenas como cabo Barbosa.
Uma das queixas desses policiais é a política de reajustes salariais do governo de Santana e do antecessor, Cid Gomes. “O salário do coronel, ao longo dos anos, dobrou, teve um aumento de 100%. O do soldado, aumentou 10%”, disse o cabo.
Em motim ocorrido em 2011, na virada para 2012, houve negociação para concessão de um reajuste que seria parcelado. “A primeira parcela foi cumprida. A segunda e a terceira, não. Foi uma traição do governo”, disse outro PM. “Daí, isso foi acumulando. A queixa era um assunto constante no batalhão.” Os PMs que ingressaram na corporação depois disso, conta o policial, já encontraram quartéis nesse clima de insatisfação.
Risco
Em grupo, os amotinados começam a listar situações a que se dizem expostos. Contam que, depois do fechamento do hospital próprio da corporação, passaram a receber o mesmo atendimento de pessoas com quem entravam em confronto. “Você tinha na mesma enfermaria o cara que atirou em você. Isso quando não ficava jogado nos corredores”, disse outro cabo, sem dar o nome.
Bolsonarismo
No batalhão, há amotinados com camisetas do presidente Jair Bolsonaro. As lideranças, porém, negam o apoio. “Fui o primeiro a trazer o Bolsonaro para cá, em 2015, ainda deputado”, diz Cabo Sabino. “Mas, de lá para cá, fizeram intrigas, e ele se afastou. Há um ano não nos falamos.”
Entre os praças, quando se pergunta sobre política, as respostas variam, mas acabam voltando para pontos trabalhistas, como pagamento de horas extras e vale refeição defasado em relação a outros servidores.
Procurados, o governo do Estado e a assessoria de Gomes não responderam sobre os termos do acordo de 2011 que teriam sido descumpridos.
Os amotinados estimam que de 40% a 60% dos cerca de 20 mil homens da PM do Ceará participam do movimento. O governo do Estado não fala em números. Três batalhões (17º e 18º, na capital, e o 12º, em Caucaia, região metropolitana) ainda estão ocupados por manifestantes, segundo o governo. Enquanto parte dos policiais está paralisada, caminhões e jipes do Exército estão fazendo patrulhamento em Fortaleza.
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