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Para juristas, decreto de armas abre brecha para armar maioria do MST

Alvo de Bolsonaro, movimento já tem 400 mil famílias em área regular; Planalto destaca outras exigências, como inexistência de processo criminal.

O Decreto 9.785, do presidente Jair Bolsonaro, que facilita porte de armas de fogo, abre brecha legal para armar integrantes de um dos maiores adversários do governo, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Segundo juristas, a inclusão da categoria “residente em área rural” entre os grupos favorecidos, sem especificar o tipo de propriedade, também enquadra pessoas do movimento que moram em terras regularizadas e podem comprovar residência.

Assinada nesta semana, a nova regra facilita o porte de arma para 19 categorias, entre elas políticos, advogados e moradores do campo – o MST, no entanto, diz ser contrário ao armamento. O decreto estabelece, ainda, presunção de veracidade ao declarar a necessidade de ter uma arma. É preciso cumprir, porém, outros critérios que já estavam no Estatuto do Desarmamento, de 2003, como ter mais de 25 anos e não apresentar antecedente criminal.


Hoje, cerca de 400 mil famílias ligadas ao MST vivem em assentamentos da reforma agrária – ou seja, deixaram de ser sem-terra para se tornar, legalmente, pequenos proprietários rurais. Já outras 120 mil famílias vivem em acampamentos do MST e ainda não conseguiram acesso à terra.

Para juristas, só esse último grupo não seria beneficiado pelas mudanças. “Para requerer, aqueles de propriedade rural têm de estar em ordem com suas obrigações legais”, diz o professor Claudio Langroiva, de Direito Processual Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Em tese, se ele estiver com o título da terra, preenche o requisito.”

Langroiva afirma, ainda, que participar do MST não é motivo legal para ser excluído do decreto. “Esses integrantes, se individualmente processados, ficariam, aí sim, limitados de seus direitos. De forma genérica, não”, afirma. “Para a lei, seria o mesmo que proibir o católico só porque é católico.”

A advogada constitucionalista Vera Chemim faz a mesma leitura. “Para ter o porte, não pode morar em um terreno invadido, que seja de outro proprietário, mas se tiver o registro do terreno em cartório, não há problema”, afirma.

Para a advogada Isabel Figueiredo, consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a liberação de armas pode “em última instância, criar uma guerra no campo”. “A questão de insegurança já é agravada por questões agrárias e de conflitos de terra. O decreto piora a situação.”

Um dos artigos determina retirar a posse e o porte de arma, caso a pessoa passe a responder a inquérito policial por qualquer crime doloso (quando há intenção de praticá-lo), exceto em ocorrências de legítima defesa. Segundo a regra, o suspeito deve entregar todas as suas armas, mas tem direito à indenização paga pelo Estado ou a vendê-las para outra pessoa.

Em nota, o governo Bolsonaro diz que só o fato de viver em área rural não dá direito a porte de arma. “Não exclui as demais obrigações, como comprovar residência fixa e lugar seguro para armazenamento das armas, comprovar ocupação lícita e demonstrar inexistência de inquérito policial ou processo criminal”, afirma o comunicado da Casa Civil.

Em abril, o Estado mostrou que o número de invasões no campo caiu de 43 no primeiro trimestre de 2018 para apenas uma no mesmo período deste ano. Na ocasião, Bolsonaro relacionou a queda ao armamento. “O MST está mais fraco pela facilidade da posse de armas”, escreveu.

Oposição

A cúpula do MST já avaliou possíveis impactos do decreto e, embora preveja um aumento da violência no campo, decidiu manter posição contrária a armas. O movimento é alvo histórico de Bolsonaro, que chegou a acusá-lo de “terrorismo” na eleição.

“Não queremos nem sonhar com essa possibilidade (de armar os sem-terra)”, diz João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do movimento. “O MST tem 2 milhões de pessoas em sua base. Seria um contingente cinco vezes maior do que o Exército brasileiro.”

De acordo com o MST, a maioria dos donos de fazendas com mais de 500 hectares mora nas cidades, e não em suas propriedades rurais. Nesses locais, as armas ficariam nas mãos de funcionários das fazendas. “Não acreditamos na guerra como alternativa porque quem morre sempre são os filhos da classe trabalhadora”, afirma Gilmar Mauro, da coordenação estadual do MST em São Paulo.

“O decreto mira o produtor rural, com discurso de se defender de roubo de gado e de máquinas ou de invasão de propriedade, mas acaba abrindo uma avenida para todo mundo se armar”, diz Bruno Langeani, coordenador do Sou da Paz. “A solução não passa por distribuir armas, mas por investigar e prender quem está ganhando com esses crimes. Se alguém roubou uma máquina é porque tem outro que compra.”

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