A força-tarefa Lava Jato ofereceu, nesta segunda-feira, 28, denúncia contra o ex-governador Beto Richa (PSDB), preso na sexta-feira, 25, por supostos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa relacionados a propinas de R$ 35 milhões de concessionárias de rodovias contratadas pelo Estado. Segundo a força-tarefa, a organização criminosa supostamente integrada pelo tucano foi ‘responsável por desviar o valor estimado de R$ 8,4 bilhões por meio de supressões de obras rodoviárias e aumento de tarifas em concessões do Anel de Integração’.
As informações foram divulgadas pelo Ministério Público Federal no Paraná.
- Foto: Hélvio Romero/Estadão ConteúdoEx-governador Beto Richa
Segundo a Procuradoria, ‘na acusação contra os agentes públicos, foram denunciados o ex-governador Beto Richa e seu irmão, Jose Richa Filho (Pepe Richa), ex-secretário de Infraestrutura e Logística do estado, e mais oito pessoas, pelos crimes de pertencimento à organização criminosa e corrupção passiva’.
A força-tarefa afirma que ‘os dois irmãos comandaram o esquema de propinas das rodovias federais no Paraná’.
Em uma denúncia separada, o MPF acusa empresários, foram que foram ex-presidentes das concessionárias Econorte, Viapar, Ecocataratas, Caminhos do Paraná, Rodonorte e Ecovia pelos crimes de corrupção ativa, pertencimento à organização criminosa e lavagem de dinheiro’. “O empresário João Chiminazzo Neto foi denunciado como principal operador financeiro do esquema criminoso”.
“Os crimes são relacionados às investigações da operação Integração, que apontaram a existência, ao longo de quase duas décadas, de uma prática consolidada de pagamento de propina pelas concessionárias que operam o Anel de Integração do Paraná. Os subornos eram pagos para obtenção de favorecimentos contratuais que excluíam obras e aumentavam tarifas”, sustenta.
De acordo com a denúncia, as irregularidades começaram na apresentação da proposta comercial das concessionárias, em 1997.
“O custo de serviços e obras estava propositadamente superfaturado pelas concessionárias, conforme reconheceu o colaborador Nelson Leal Júnior e demonstrou laudo pericial de caráter oficial. O superfaturamento inicial permitiu o estabelecimento de uma tarifa básica mais alta e elevou arbitrariamente os lucros das empresas. Além disso, a adoção, pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER/PR), do critério de medição por insumos sem respaldo contratual permitiu que as concessionárias se desonerassem da conclusão de obras sem terminá-las, sob a alegação de que a meta financeira já teria sido cumprida, isto é, que o valor estimado pela própria concessionária para a obra já havia sido gasto”, afirma a Procuradoria.
A Procuradoria dá conta de que a ‘adoção do critério de meta financeira significava que, caso uma das concessionárias, obrigada a duplicar 100 quilômetros ao custo de R$ 300 milhões, sustentasse (com base em suas próprias planilhas de itens unitários superfaturados) que, com os R$ 300 milhões previstos, somente foi possível duplicar 50 quilômetros, ela simplesmente solicitava ao DER/PR que suprimisse a obrigação de duplicar os 50 km restantes, por considerar que a meta financeira já havia sido atingida’.
“Embora a estimativa original de custo tivesse sido feita pela própria empresa, se o custo fosse maior do que o previsto, ela não deveria arcar com a responsabilidade por concluir a obra, transferindo todo o risco para a sociedade. Os agentes corrompidos do DER/PR, em seguida, deferiam o pedido da concessionária e as obras originalmente contratadas eram suprimidas por intermédio de aditivos ou decisões administrativas”, sustenta.
O MPF ainda contabilizou os ‘graves prejuízos ao interesse dos usuários das rodovias entregues às concessionárias’. “A investigação comprovou que, no início da concessão, as empresas comprometeram-se a duplicar 995,7 km em rodovias no estado. As obras deveriam estar integralmente concluídas até 2016, mas, em virtude das mudanças contratuais feitas mediante pagamento de propinas, as obras foram suprimidas e postergadas. Em 2019, da quilometragem inicial pactuada, apenas 273,5 km foram duplicados – somente 27,4% das duplicações ajustadas”.
“Em relação às interseções, foi pactuada a construção de 136 unidades destas com conclusão até 2017. No entanto, houve a construção de apenas 29 unidades, ou seja, somente 21,3% do total. Deveria ocorrer também a construção de 303,2 km de terceiras faixas até 2017. Entretanto houve a conclusão de apenas 59,3 km, só 19,5% do previsto”, argumenta.
Segundo o MPF, havia ‘também a previsão de construção de 174,5 km de contornos, com previsão de término até 2016. Contudo houve a realização de apenas 43,2 km – somente 24,7% do pactuado’. “Por fim, havia a previsão inicial de 15,2 km em marginais até 2016, dos quais nenhum quilômetro foi entregue (0%)”.
De acordo com o procurador da República Diogo Castor, “é virtualmente o maior desvio de dinheiro já comprovado na história do Paraná. Mais de 8 bilhões de reais poderiam ter revolucionado a infraestrutura do estado, afrou-xando gargalos no trânsito de pessoas e no escoamento da produção de um dos celeiros do Brasil. Isso contribuiria para o desenvolvimento econômico e social paranaense. O prejuízo nas estradas se desdobra em um prejuízo a todo o setor industrial e produtivo, sem falar nas mortes”.
Mortes. A Procuradoria ainda afirma que, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal, ‘nos últimos cinco anos houve um total de 1.714 mortes em rodovias federais do Anel de Integração, das quais 403 ocorreram em colisões frontais em trechos de pista simples’.
“Quando há duplicação, o número de mortes cai drasticamente. Por exemplo, em um trecho duplicado da BR 277 (km 655,2 – 666,5), o número de mortes caiu mais de 70%, de 14 entre 2012 e 2013, antes da duplicação, para 4 de 2017 a 2018, após as obras. Em outro trecho da mesma rodovia (km 665,5 – 674,8), a redução foi de quase 60%: houve 17 mortes entre 2009 e 2011 e apenas 7 mortes entre 2014 e 2018, depois da duplicação. Em um trecho da BR 476 (km 170,2 – 173), as mortes caíram 73%: de 113 mortes entre 2009 a 2011 para 31 mortes de 2015 a 2017, depois da duplicação”.
“Em relação à colisão frontal, a redução de mortes é ainda mais incisiva. Em um trecho duplicado de 5 quilômetros na BR 277 (km 665,5 – 674,8), entre 2007 e 2011, houve 24 colisões frontais. Depois da duplicação, entre 2014 e 2018, esse número baixou para apenas 3 colisões frontais – uma redução de quase 90%”, revela a Procuradoria.
“As propinas nos pedágios deixaram um rastro de sangue e morte nas estradas. Há uma drástica redução no número de colisões frontais quando uma estrada é duplicada. Se tivéssemos todas as rodovias federais duplicadas no Paraná, poderíamos ter salvo 360 vidas nos últimos cinco anos, assumindo uma razoável redução de 90% no número das colisões frontais no caso de duplicação. A denúncia aponta que 722 quilômetros de estradas deixaram de ser duplicados de modo indevido, o que certamente contribuiu para muitos acidentes e mortes”, afirma o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa Lava Jato no MPF/PR.
Com a palavra, a defesa
“A Justiça ainda não deu à defesa acesso à denúncia. E reafirma que seu cliente não cometeu nenhuma irregularidade, e que sempre esteve à disposição para prestar esclarecimentos”.
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