O presidente Jair Bolsonaro indicou a parlamentares da bancada evangélica que deve vetar um dos dispositivos que anistiam os templos do pagamento de dívidas com a Receita Federal, segundo apurou o Estadão/Broadcast. A anistia de outra parte dos débitos, porém, ainda está na mesa de negociações.
Bolsonaro explicou aos congressistas que até concorda com o perdão e tinha vontade de sancionar porque vê nas igrejas um importante papel social. Mas o presidente ponderou que não tem amparo jurídico e corre risco de cometer crime de responsabilidade, passível de impeachment, caso sancione a proposta aprovada pelo Congresso do jeito que está.
Como revelou o Estadão/Broadcast, um projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional pode anistiar as igrejas do pagamento de quase R$ 1 bilhão em dívidas com a Receita Federal e ainda isentá-las do pagamento de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) daqui para frente. A emenda foi proposta pelo deputado David Soares (DEM-SP), filho do missionário R. R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, que tem milhões em dívidas com a União.
A costura neste momento é no sentido de vetar a parte que livra as igrejas do pagamento de CSLL, tanto débitos passados quanto cobranças futuras. Mas ainda há pressão para que a área econômica concorde com a anulação de multas e outras cobranças aplicadas por irregularidades na prebenda, como é chamada a remuneração dos pastores e líderes do ministério religioso.
A sinalização do presidente foi dada em reunião nesta quarta-feira, 9, no Palácio do Planalto. Bolsonaro recebeu o ministro da Economia, Paulo Guedes, o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, e parlamentares da bancada evangélica. Um deles era o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), ligado à Igreja Assembleia de Deus.
A equipe econômica recomendou veto total às medidas, mas vem recebendo pedidos do Palácio do Planalto para desistir da recomendação e admitir ao menos o perdão parcial. O presidente, que tem na bancada evangélica um importante pilar de sustentação de seu governo, promoveu o encontro na tentativa de chegar a um meio-termo para o impasse, que se arrasta há anos.
Bolsonaro foi eleito com o apoio de diversas lideranças evangélicas. Embora se declare católico, o presidente tem uma relação próxima a pastores e igrejas evangélicas. A primeira-dama Michelle Bolsonaro é frequentadora da Igreja Atitude, no Rio de Janeiro.
Três integrantes do primeiro escalão do governo são pastores: a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e os ministros André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) e Milton Ribeiro (Educação).
A Receita Federal vê por parte das igrejas manobras para burlar a cobrança de tributos, inclusive com a distribuição de lucros e remuneração variável a seus integrantes conforme o número de fiéis. As igrejas, por sua vez, alegam que as fiscalizações são indevidas e atuaram, por meio da bancada evangélica, para incluir o perdão num projeto que trata de descontos em precatórios (valores devidos pela União após sentença definitiva na Justiça), sem relação direta com o tema. É esse projeto de lei que agora deve ter alguns dos dispositivos vetados pelo presidente.
O argumento da equipe econômica é que a Constituição prevê imunidade às igrejas apenas na cobrança de impostos. Ou seja, o benefício não inclui contribuições, como é o caso da CSLL ou da contribuição previdenciária. Além disso, não há previsão no Orçamento para conceder perdão aos débitos já acumulados pelos templos religiosos.
A bancada evangélica tem se articulado para incluir, na reforma tributária, a ampliação do alcance de sua imunidade tributária para qualquer cobrança incidente sobre propriedade, renda, bens, serviços, insumos, obras de arte e até operações financeiras (como remessas ao exterior). A avaliação de tributaristas, no entanto, é que a medida não daria às igrejas salvo-conduto para continuar driblando a fiscalização para distribuir lucros disfarçados de renda isenta.
Caso sancione o perdão bilionário às igrejas, o presidente corre o risco de carimbar um selo de "irregularidade" na análise de suas contas de governo, como mostrou o Estadão/Broadcast. Sozinha, uma irregularidade é uma "mancha" nas contas, mas o parecer é conclusivo a partir do conjunto da obra, ou seja, o quão grave é o conjunto de eventuais irregularidades constatadas pelos auditores.
O Tribunal de Contas da União (TCU) tem feito reiteradas recomendações e alertas sobre a necessidade de mensurar o impacto de medidas aprovadas no Congresso, independentemente de ser iniciativa do Executivo ou dos próprios parlamentares.
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