Quase um ano depois de militares americanos errarem um ataque e matarem 10 civis no Afeganistão, menos de uma dúzia de 144 parentes das vítimas foram reassentadas nos Estados Unidos – como o presidente Joe Biden havia prometido na época. Segundo os advogados da família, 32 pessoas permanecem no país sem perspectivas de sair em breve e o restante está há meses em trâmites diplomáticos.
Os parentes das vítimas do ataque, feito por um drone americano contra Zemari Ahmadi – um engenheiro eletricista que participava de uma organização de ajuda – e parentes seus, incluindo crianças, enfrentam problemas com passaporte, burocracia e com o governo do Taleban, que altera as regras do Afeganistão recorrentemente. No mês de junho, por exemplo, 43 parentes foram autorizados a ir ao Paquistão pela fronteira terrestre, mas no dia seguinte um outro grupo foi deportado porque o Taleban impôs novas regras de documentação.
Além dos 32 que permanecem no Afeganistão, o restante está alocado em outros países enquanto aguardam ir para os EUA, como Paquistão e Albânia.
Os advogados que prestam assistência aos familiares elogiaram os esforços dos EUA para ajudar a retirar os afegãos e afirmaram que se abstiveram de comentar publicamente sobre o assunto até agora por questões de segurança, mas decidiram quebrar o silêncio para cobrar mais ações do governo americano. “À medida que o aniversário do ataque se aproxima, o público precisa saber que o governo está falhando em cumprir suas promessas”, declarou Brett Max Kaufman, advogado da União Americana de Liberdades Civis, que representa os parentes da família de Zemari Ahmadi.
O grupo de afegãos em questão faz parte de um contingente de milhares de afegãos que tentam sair do Afeganistão depois que o Taleban retomou o poder em agosto passado, mas até agora não conseguiram. Em setembro do ano passado, um dos integrantes da família, Samim Ahmadi, afirmou ao jornal The Washington Post que “os americanos não podem trazer de volta nossos entes queridos, mas eles podem nos tirar daqui.”
Zemari Ahmadi foi morto junto com nove parentes após militares americanos acreditarem que ele tinha ligações com o Estado Islâmico. O erro foi admitido em setembro pelos próprios militares americanos, mas na época o Pentágono disse que não tomaria medidas disciplinares contra os funcionários dos EUA envolvidos na ordenação do ataque. A afirmação é de que os EUA haviam feito um “compromisso com as famílias, incluindo oferecer pagamentos de condolências ex gratia (indenização)”.
Segundo as autoridades americanas, as perspectivas de retirar os parentes das vítimas se tornaram mais difíceis depois da CIA matar Ayman al-Zawahiri, líder da Al-Qaeda, há duas semanas.
Funcionários do Pentágono disseram que estavam trabalhando há meses, juntamente com colegas do Departamento de Estado e da Casa Branca, para retirar os familiares e outros funcionários da organização de ajuda que Ahmadi liderava, apesar de não terem mais qualquer presença militar ou diplomática americana no Afeganistão. “O Departamento de Defesa, em coordenação com outros departamentos e agências do governo dos EUA, continua a tomar medidas para responder ao ataque aéreo de 29 de agosto de 2021 em Cabul, Afeganistão”, disse Todd Breasseale, secretário interino de imprensa do Pentágono, em um comunicado.
O valor das indenizações oferecidas pelo Pentágono não foram especificadas. Funcionários da administração e advogados da família disseram que as negociações sobre quaisquer pagamentos foram suspensas até que todos os membros da família tenham sido retirados em segurança do Afeganistão.
Indenizações são raras
Especialistas em direitos humanos e legais que rastrearam vítimas civis no Afeganistão e no Iraque, mortos em ataques resultantes de drones americanos e ataques aéreos fora das zonas de guerra oficiais, estimam que centenas de milhares de civis foram mortos como resultado das guerras americanas promovidas após os ataques do 11 de setembro. A prática de pagar indenizações, entretanto, é vista como rara devido à falta de transparência em relação a ataques secretos e à ausência de investigações minuciosas em locais que muitas vezes são difíceis para os defensores de direitos humanos atuarem.
O ataque com drones contra a família de Ahmadi é incomum porque matou civis em Cabul, capital do Afeganistão, em meio a um forte escrutínio dos esforços de retirada das tropas militares americanas, que já eram caóticos e violentos. Um vídeo gravado por uma câmera de vigilância e divulgado pela Nutrition and Education International também mostrou a vítima transportando grandes latas de água para a família pouco antes do ataque.
Após o ataque, os militares americanos confessaram que acreditavam erroneamente que estavam mirando um agente que transportava explosivos de um esconderijo pertencente ao Estado Islâmico-Khorasan, braço do Estado Islâmico. O ataque ocorreu três dias depois que um homem-bomba afiliado ao ISIS-K detonou uma bomba em meio a uma multidão do lado de fora do aeroporto de Cabul. Esse ataque matou cerca de 200 afegãos e 13 militares americanos que ajudavam os afegãos a saírem do país.
Após a investigação militar dos EUA sobre o ataque com drones, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, saudou Ahmadi como um homem que forneceu “assistência de cuidado e salvamento” através da Nutrition and Education International, organização a qual ele fazia parte e que tem trabalhado para aliviar a fome e a desnutrição no Afeganistão.
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