As análises na imprensa americana após a Cúpula das Américas convergiram em dizer: o encontro escancarou o declínio da liderança dos Estados Unidos na região. A percepção de que americanos não priorizam a América Latina não é nova, mas se tornou o mais recente revés para Joe Biden, envolto numa queda de popularidade que começa a pressioná-lo contra uma tentativa de reeleição.
Eleito com discurso de que remontaria alianças e restabeleceria a liderança americana no resto do mundo, Biden se viu em meio à questionada estratégia de saída de tropas do Afeganistão e no epicentro político da guerra na Ucrânia — que nem Washington nem os europeus conseguiram ajudar a evitar.
Na iminência da invasão do território ucraniano, a Casa Branca assistiu a líderes de dois relevantes países da América do Sul visitarem Vladimir Putin. As viagens do argentino Alberto Fernández e do brasileiro Jair Bolsonaro a Moscou acenderam os sinais de alerta nos EUA, que não têm sido capazes de reduzir a presença da China na América Latina ou se contrapor à relação da Rússia com alguns países da região.
A coleção de dificuldades internacionais dá margem aos ataques da oposição, que vê Biden no seu pior momento de aprovação. O país vive inflação alta, disparada nos preços de combustíveis e alimentos.
Enquanto 40% dos americanos aprovam seu governo, 53% desaprovam. É a pior combinação apurada pelo site FiveThirtyEight entre presidentes nesta época do mandato. O site analisa as aprovações e desaprovações desde a presidência de Harry Truman (1945-53).
A situação política de Biden já faz com que democratas avaliem reservadamente que ele não deve concorrer à reeleição, segundo reportagem do jornal The New York Times. Em novembro, a Casa Branca terá um termômetro do tamanho do problema nas eleições legislativas. Com maioria estreita no Senado, Biden viu seus projetos mais ambiciosos empacados no Capitólio mesmo no início da presidência, quando a boa vontade dos parlamentares costuma ser maior. Se perder a maioria na Câmara e no Senado, o que historicamente costuma acontecer na disputa do meio de mandato, terá uma segunda metade de governo ainda mais engessada.
Ceticismo sobre acordo migratório
A impossibilidade de avançar politicamente nos EUA na reforma imigratória, por exemplo, aumenta o ceticismo de países sobre a efetividade do acordo firmado sobre o tema em Los Angeles.
À margem da Cúpula, Brasil, EUA e mais 18 países assinaram um acordo para conter a crise migratória que tem levado o número de imigrantes que chega ilegalmente ao país bater recorde atrás de recorde. O acordo fala em ampliar as oportunidades de migrar legalmente. Para os EUA, o importante foi reconhecer entre países que há uma responsabilidade compartilhada para lidar com o assunto.
Líderes dos principais países afetados pela imigração recorde na pandemia, no entanto, boicotaram a cúpula de Los Angeles. Além de México, país por onde passam as caravanas de imigrantes que tentam chegar aos EUA, os presidentes de Guatemala, Honduras e El Salvador não foram à reunião.
É dali, o triângulo norte da América Central, de onde sai o maior número de imigrantes para os EUA. Os países assinaram o acordo, mas através de representantes diplomáticos, e não de presidentes. A vice-presidente, Kamala Harris, se engajou pessoalmente na tentativa de convencer alguns dos líderes a comparecer, sem sucesso.
Biden foi alvo de críticas por parte de líderes presentes e ausentes. Do argentino Alberto Fernández, o americano ouviu que um anfitrião não tem o direito de barrar convite a países da região. “Definitivamente, gostaríamos de uma Cúpula das Américas diferente. O silêncio dos ausentes nos interpela”, disse. Nos corredores do evento, os demais participantes se queixavam de desorganização, da falta de prioridade na agenda regional e da falta de resultados concretos.
No discurso de abertura, Biden tentou acomodar expectativas com a mensagem que resumia sua visão para a ocasião: “Não é mais uma questão do que os EUA farão pelas Américas. A questão é o que fazemos quando trabalhamos juntos”.
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