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Guerra na Ucrânia coloca em teste relação entre Putin e Xi Jinping

Invasão russa deve definir o papel que terá aliança entre líderes, que já dura mais de uma década.

Eles visitaram um rinque de hóquei em Pequim e o abrigo dos pandas no Zoológico de Moscou. Compartilharam blinis de caviar e, reciprocamente, uma versão chinesa do prato, jianbing. Cortaram bolos de aniversário e levantaram brindes de vodca um ao outro, argumentando que nenhum deles ousaria abandonar o barco.

Por mais de uma década, Xi Jinping, da China, e Vladimir Putin, da Rússia, forjaram um relacionamento respeitoso — cálido, até — entre as duas potências que compartilham queixas comuns contra o poderio militar e econômico dos Estados Unidos.


A invasão da Ucrânia poderia subverter isso tudo — ou forjar, no isolamento diplomático, uma aliança que redefinirá a ordem mundial no século 21.

Três dias após o início do conflito, parecia claro no domingo 27 que a expectativa de Putin de subjugar rapidamente a Ucrânia afundava. A resistência ucraniana ralentou ou empacou o avanço das tropas russas, enquanto países ocidentais rapidamente intensificaram a pressão econômica sobre a Rússia, que parece quase totalmente isolada.

O ataque de Putin contra a Ucrânia força Xi ao que Kevin Rudd, o ex-primeiro-ministro australiano que foi diplomata em Pequim, qualificou como um “impossível ato de equilíbrio” entre sua camaradagem pessoal com o líder russo e uma possível reação contra a China, caso o país seja visto como apoiador de uma invasão condenada pela maioria dos países.

Na sexta-feira 25, Xi falou ao telefone com o homem que chamou de “melhor amigo” em 2019, mas passou longe de endossar o ataque contra a Ucrânia. Ele afirmou que todos os países deveriam “abandonar uma mentalidade de Guerra Fria” e expressou apoio quando Putin afirmou que buscaria uma solução negociada para a guerra, de acordo com o resumo da chamada divulgado pelo governo chinês.

Não há nenhum sinal, porém, de que Xi tenha feito qualquer coisa para evitar a invasão, caso ele soubesse que ocorreria. Seus conselheiros mais graduados repudiaram pedidos dos EUA de que a China usasse sua influência sobre Putin para desencorajar um ataque; em vez disso, a China compartilhou dados de inteligência dos americanos com os russos e acusaram os EUA de tentar semear a discórdia, segundo afirmaram autoridades americanas.

China e Ocidente

A China possui relações profundas com Europa e EUA, que não pode ser dar ao luxo de cortar apesar das crescentes tensões nesses laços. A invasão à Ucrânia abalou os mercados chineses de ações e ameaça complicar a economia global durante um ano politicamente importante para Pequim, que deverá culminar com uma extensão do governo de Xi.

O furor internacional sobre a Ucrânia e o isolamento diplomático a que Putin deverá ser submetido também poderiam servir de aviso para o que Xi poderá esperar se usar a força para subjugar Taiwan, a democracia autônoma que a China reivindica como seu território.

Putin, de sua parte, parece estar contando com o apoio da China em relação à Ucrânia — explícito ou não — em face às medidas punitivas que os EUA e outros países já começaram a impor.

A China já levantou algumas restrições sobre importações de trigo russo, mas ainda não indicou se adotará as sanções americanas e europeias para restringir acesso russo a capital. “Será realmente um teste amargo”, afirmou John Culver, ex-agente da CIA especializado em China. “Isso demonstrará se a China realmente apoiaria os russos provendo apoio econômico em violação às sanções — e até mesmo se encararia sanções contra si mesma.”

Apenas três semanas atrás, na véspera da Olimpíada de Inverno de Pequim, Putin e Xi se encontraram pela 38.ª vez desde que Xi ascendeu à presidência, declarando que a amizade entre seus países “não tem limites”.

Fora dos alto-escalões dos líderes, não se sabe se Putin revelou seus planos para a Ucrânia naquele momento. Uma porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Hua Chunying, sugeriu que não.

O dilema da China em relação ao assunto ficou evidente nas declarações de autoridades como Hua, que se recusou a chamar a invasão de invasão e buscou colocar a culpa nos EUA. A China pode considerar Taiwan uma província a ser conquistada, mas reconheceu explicitamente a Ucrânia como nação soberana, com a qual mantém fortes laços econômicos.

Seja como for que essa guerra acabe, ela já sublinhou quão importante — e complexa — a relação entre Xi e Putin se tornou. Essa relação foi forjada não apenas por marcantes paralelos biográficos, mas também por diferenças capazes de colocar em teste sua promessa de laços “sem limites”.

Biografia dos líderes

Putin e Xi nasceram com apenas oito meses de diferença — em 7 de outubro de 1952 e 15 de junho de 1953, respectivamente — ambos filhos de potências comunistas que emergiram das catastróficas convulsões da guerra e da revolução. Ambos idolatravam os pais, veteranos desses conflitos, e foram inculcados com a visão marxista-leninista sobre assuntos internacionais.

Ambos acabaram no serviço público, Putin como agente de inteligência da KGB e Xi como funcionário regional do partido, após a reabilitação de seu pai, que havia sido preso durante a era de Mao, acusado de espionar para os soviéticos.

Sergei Alexsashenko, que foi vice-presidente do banco central russo durante a ascensão de Putin, nos anos 90, ressaltou o que qualifica como uma diferença crucial entre as biografias dos líderes. Putin, notou ele, trabalhou no serviço de inteligência num momento em que a União Soviética entrava em seu inexorável declínio, nos anos 70 e 80, enquanto Xi se tornou funcionário do governo quando se iniciava a transformação da China de país pobre para potência global.

“Para Xi, a história da China durante sua vida adulta é uma história de sucesso”, afirmou Alexsashenko. “Ele quer seguir adiante com essa reconstrução para o futuro. Para Putin, tudo de bom ficou no passado.”

A experiência que mais conecta os líderes é a agitação política global de 1989, que começou com os protestos na Praça Tiananmen, em Pequim, esmagados pela China, e terminou com as revoluções que derrubaram o modelo soviético em países-satélite da URSS.

Xi, então funcionário do governo provincial em Fujan, alertou num jornal do partido que democracia irrestrita resulta em “ausência de limites ou senso de responsabilidade”.

Putin atuava na época como tenente-coronel no posto avançado da KGB em Dresden e assistiu sem poder fazer nada manifestantes atacarem o escritório local da Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental. Ele foi forçado a retornar para a URSS, que colapsou dois anos depois, criando as novas fronteiras que ele agora busca essencialmente apagar.

Ambos os líderes falaram com frequência a respeito das lições daquela época, reforçando o que veem como a necessidade de um controle mais forte do Estado sobre o sentimento popular.

Em um discurso em 2013, Xi difamou o último líder soviético, Mikhail Gorbachev, por permitir que a URSS ruísse durante seu mandato, evento que Putin qualificou como “a maior catástrofe geopolítica do século 20”. “No fim”, afirmou Xi, “ninguém foi homem de verdade”.

Putin e a China

A aproximação de Putin com a China começou com antecessores de Xi. Putin alcançou um acordo sobre uma disputa fronteiriça que ocasionou uma breve guerra entre URSS e China, em 1969, e aliviou restrições sobre emissões de vistos para chineses que permitiram a expansão do comércio através de suas fronteiras.

Quando Xi ascendeu ao poder, uma década atrás, a ligação entre os países se intensificou, ocasionando um aprofundamento em suas relações que deixou para trás décadas de discórdia e suspeita. O comércio entre os países atingiu recordes, alcançando um volume de US$ 146 bilhões no ano passado. Os Exércitos de ambas as nações treinam juntos e conduzem patrulhas conjuntas, aéreas e navais, ao longo da costa chinesa.

“Mesmo que a relação bilateral não seja uma aliança, em sua proximidade e eficácia esta relação até excede a de uma aliança”, afirmou Xi ao seu homólogo durante uma conversa virtual em dezembro, de acordo com Yuri Ushakov, conselheiro de política externa de Putin.

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