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A perigosa união de interesses de Rússia e China

Xi parece estar se preparando para anos de tensões com os EUA, por isso quer laços com Putin.

Alguns viram isso como um momento crucial na relação da China com a Rússia – e certamente na crise sobre a Ucrânia. Em 19 de fevereiro, Wang Yi, o chanceler chinês, declarou que “soberania” e “integridade territorial” de países devem ser protegidas, acrescentando, para que ninguém o entendesse mal, “a Ucrânia não é exceção”.

Pareceu uma afirmação das normas internacionais, no mesmo momento em que o presidente russo, Vladimir Putin, estava prestes a rasgá-las.


Mas três dias depois, após Putin reconhecer dois enclaves separatistas na Ucrânia como repúblicas independentes e prometer enviar soldados para sua defesa, ficou óbvio que Wang havia apresentado nada além de uma fachada de bons princípios diplomáticos.

Enquanto EUA e Europa impuseram sanções contra a Rússia, condenando o ataque de Putin contra a soberania e a integridade territorial da Ucrânia, a China conclamou “todos os lados” a exercer comedimento e “evitar a continuada escalada da situação”.

No dia 23, a porta-voz da chancelaria chinesa, Hua Chunying, afirmou que os EUA estavam piorando a situação “mandando armamento para a Ucrânia, aumentando as tensões, criando pânico e até promovendo a possibilidade da guerra”. Hua, ministra-assistente de Relações Exteriores, acusou os EUA de expandir a Otan até a beira da Rússia, perguntando: “Será que eles já consideraram as consequências de pressionar um grande país contra a parede?”.

Duas semanas antes, a China tinha sido mais enfática em seu apoio à Rússia. No dia 4, Putin visitou Pequim para comparecer à cerimônia de abertura da Olimpíada de Inverno. Naquele dia, o presidente russo e seu homólogo chinês, Xi Jinping, emitiram uma declaração conjunta que indicou os laços mais fortes entre os países em 70 anos. “Não há limites” para a amizade entre as duas nações, afirmou o comunicado, e não há “nenhuma área ‘proibida’ de cooperação”.

O texto referiu-se às duas potências autoritárias como as verdadeiras garantidoras da “democracia genuína”, escarnecendo de países não identificados por buscar impor os próprios “padrões democráticos” sobre outros.

O fator crucial foi que a China, pela primeira vez, juntou-se à Rússia em opor-se a uma maior expansão da Otan, sustentando a demanda de Putin de que a Ucrânia seja deixada de fora da aliança. Enquanto tropas russas se concentravam nas fronteiras da Ucrânia, Xi aproximava-se ainda mais de Putin. Será que ele se arrependerá da escolha, agora que a guerra estourou?

Reaproximação de Rússia e China

Rússia e China têm se aproximado há mais de duas décadas. O comércio entre os países aumentou 35% no ano passado, para um volume recorde de US$ 147 bilhões. A China tornou-se o maior mercado para as exportações russas após a União Europeia, comprando US$ 79 bilhões da Rússia em 2021, principalmente em petróleo e gás.

A rodada anterior de sanções contra a Rússia, em 2014, após a primeira invasão de Putin à Ucrânia, impulsionou o crescimento dos laços econômicos com a China. Uma crescente apreensão relativa aos EUA e seus aliados na Europa e na Ásia também fomentou laços militares. No ano passado, Rússia e China realizaram grandes exercícios militares conjuntos.

Mesmo assim, o sobressalto da Otan, num momento tão arriscado para a segurança europeia, foi determinante para um país que com frequência prefere ficar em cima do muro.

E arrisca ampliar o cisma da China com o Ocidente. Xi parece estar se preparando para anos de tensões com os EUA e seus aliados, por isso quer cimentar laços mais próximos com Putin, mesmo que o comportamento da Rússia contrarie a típica retórica chinesa de não intervenção.

Xi certamente teria preferido que Putin não tivesse lançado uma guerra em escala total, que unirá democracias e desestabilizará uma ordem global na qual a China tem prosperado.

Mas ele fez sua opção pela Rússia e provavelmente acredita que não terá de pagar tanto por isso. Pode-se esperar que a China se abstenha de qualquer resolução da ONU que condene a Rússia, como fez em 2014 após a anexação da Crimeia. No dia 24, Hua contestou um jornalista pelo uso do termo “invasão” para se referir aos eventos na Ucrânia.

Os chineses “se concentrarão em declarar, ‘apoiamos a integridade territorial da Ucrânia’”, afirma Alexander Gabuev, do Centro Carnegie Moscou, um instituto de análise. “Mas não acho que vão criticar a Rússia pelo que ela está fazendo agora”.

A China, em vez disso, continuará a repreender os EUA. Em seus comentários na véspera do início da guerra, Hua qualificou os EUA como “culpados das atuais tensões em torno da Ucrânia” e acusou o país de tentar apagar o incêndio com gasolina, de uma maneira “imoral”.

Xi e Putin, uma relação especial

Xi pode se sentir à vontade para demonstrar solidariedade a Putin porque qualquer sanção que o Ocidente venha a impor contra a Rússia surtirá provavelmente apenas efeitos limitados sobre as relações econômicas dos russos com a China.

Gabuev afirma que esperaria que a China atenda apenas determinações legais de qualquer sanção do Ocidente, como não manter relações financeiras com oligarcas sancionados. No entanto, a China encontrará várias maneiras de manter o fluxo de negócios.

A Huawei, uma gigante chinesa das telecomunicações, deverá poder vender tecnologia 5G para a Rússia, enquanto a Ericsson e a Nokia, duas competidoras ocidentais, poderão ser deixadas de fora.

Os bancos de desenvolvimento chineses podem emprestar dinheiro para empreendimentos russos com menos medo de infringir sanções financeiras mirando empréstimos comerciais. E os dois países têm reduzido constantemente sua dependência de dólares para o seu comércio bilateral, como parte do esforço da Rússia de se livrar das sanções americanas.

Restrições do Ocidente sobre compras de petróleo e gás da Rússia poderiam ser altamente disruptivas. Mas não está claro se o governo de Joe Biden pretende adotar alguma medida que elevaria os preços da energia e geraria inflação antes das eleições de meio de mandato em novembro.

A China também pode ver a suspensão da autorização para o gasoduto Nord Stream 2, que liga Rússia e Alemanha, determinada na terça-feira, como uma chance de obter melhores acordos nas negociações sobre a construção de um gasoduto da Rússia até a China, que levaria aos chineses gás dos mesmos campos que abastecem a Europa.

Mas Xi encara riscos ao se aconchegar com Putin. Escrevendo na Foreign Affairs, Jude Blanchette e Bonny Lin, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, um instituto de análise, argumentam que “um eixo Pequim-Moscou mais estreito encorajaria mais os rivais da China a contrabalançar”.

Isso inclui a Europa, onde as atitudes parecem ter se endurecido desde o dia 4. Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan, descreveu no dia 15 “duas potências autoritárias operando conjuntamente”.

Essa percepção intriga analistas chineses. Yang Cheng, da Universidade de Estudos Internacionais de Xangai, afirmou que a China se preocupa em poder ser “tratada como cúmplice da Rússia”.

Mas ele afirma que essa percepção é produto da imaginação dos EUA e seus aliados. A oposição da China em relação à expansão da Otan, acrescenta ele, emana de uma empatia com a Rússia, ocasionada pela pressão que ambos os países sentem vinda do Ocidente.

Yang afirma que isso “de nenhuma maneira” significa que a China apoie os atuais desdobramentos na Ucrânia. Mas a tendência do Ocidente de considerar que China e Rússia são aliadas é “perigosa”, afirma. “É uma profecia autorrealizável que voltará o mundo a uma perigosa situação, que poderia ser mais fria e mais prolongada do que a Guerra Fria.”

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