O veterano de 100 anos do Exército britânico Tom Moore, cuja campanha de caridade arrecadou US$ 45 milhões para hospitais britânicos e o tornou um símbolo nacional de coragem em um país devastado pela pandemia do coronavírus, morreu nesta terça-feira, 2, vítima de covid-19, segundo anúncio de sua família no Twitter.
“O último ano da vida de nosso pai foi nada menos que notável. Ele foi rejuvenescido e experimentou coisas que sempre sonhou”, disse o comunicado da família. “Embora ele tenha estado em tantos corações por um curto período de tempo, ele foi um pai e avô incríveis, e permanecerá vivo em nossos corações para sempre.”
Moore vinha recebendo tratamento para pneumonia nas últimas semanas e testou positivo para o coronavírus no mês passado, disse sua filha Hannah Ingram-Moore, no Twitter, em 31 de janeiro. Ele foi levado a um hospital porque precisava de ajuda para respirar, disse, e sua condição piorou.
O veterano conquistou o coração das pessoas em todo o Reino Unido com suas caminhadas em um pátio de tijolos ao lado de seu jardim em Marston Moretaine, vilarejo ao norte de Londres. Ele deu 100 voltas antes de completar 100 anos em abril passado.
A façanha de Moore, que surgiu de um desafio de seu genro, se tornou uma sensação na mídia quando Ingram-Moore divulgou as caminhadas de seu pai e começou uma campanha online de arrecadação de fundos para o Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês). Um repórter de rádio local ligou primeiro, depois as emissoras nacionais. Logo, a mídia internacional estava esperando do lado de fora do portão do jardim.
Enquanto ele empurrava seu andador para cima e para baixo no caminho do jardim, as pessoas que enfrentavam o primeiro bloqueio da pandemia do Reino Unido assistiam online. Logo, #TomorrowWillBeAGoodDay (“Amanhã será um dia bom”) se tornou uma tendência no Twitter.
“As pessoas me disseram que havia algo em minha pequena caminhada que capturou o coração daqueles que ainda estavam em choque com a crise”, escreveu Moore em sua autobiografia. “Com um número crescente de mortes e a perspectiva de meses de confinamento, todos estavam desesperados por boas notícias."
No processo, Moore se tornou um fenômeno da cultura pop. Suas caminhadas eram transmitidas pela BBC, CNN, NBC e Al Jazeera, e seu rosto foi parar na primeira página dos tabloides britânicos. Esses jornais o apelidaram de Capitão Tom, seu posto militar até que ele foi nomeado coronel honorário pela Army Foundation College.
Com doadores que incluíam o primeiro-ministro Boris Johnson e os príncipes Harry e William – este o chamava de “máquina de arrecadação de fundos de um homem só” – , Moore levantou rapidamente 32,8 milhões de libras, ou US$ 45 milhões, assim como um público que torceu por ele. Os correios do vilarejo foram inundados com cerca de 6 mil presentes e 140 mil cartões de aniversário. Moore ficou maravilhado com o fato de alguém gastar 2 libras (US$ 2,74) em um cartão para ele e, em seguida, colocar uma máscara para esperar na fila de um correio para enviá-lo.
Ele negociou um contrato para vários livros, gravou uma canção no topo das paradas e recebeu o título de cavaleiro da rainha Elizabeth II, que saiu da reclusão pela primeira vez desde que a pandemia começou para conceder a homenagem no Castelo de Windsor em julho.
Aos 94 anos, a rainha formou uma dupla impressionante com Moore – ligações vivas com a história da 2ª Guerra britânica que foi invocada durante a pandemia como um exemplo da coragem e estoicismo de que o país precisa hoje. Como princesa, Elizabeth trabalhou como jovem motorista e mecânica de caminhão durante a guerra, e Moore foi um oficial condecorado do Exército que lutou na infame campanha da Birmânia.
Nesta terça-feira, a família real prestou uma homenagem a Moore em sua conta no Twitter. “Sua Majestade gostou muito de conhecer o Capitão Sir Tom e sua família em Windsor no ano passado”, disse o palácio, em um comunicado. “Os pensamentos dela e os da família real estão com eles, reconhecendo a inspiração que ele ofereceu para toda a nação e outras pessoas em todo o mundo”.
Os últimos dias de Moore foram ligeiramente turvados pelas críticas a uma viagem que ele e sua família fizeram à ilha caribenha de Barbados, em dezembro. Alguns recorreram às redes sociais para questionar por que um homem de 100 anos passaria férias no exterior em uma época em que o governo desencorajava essas viagens por causa da pandemia.
Os defensores de Moore apontaram que o voo, que foi pago pela British Airways, aconteceu antes que Boris Johnson apertasse as regras de bloqueio da Inglaterra em 19 de dezembro, depois que cientistas detectaram uma nova variante do vírus que se espalhou rapidamente.
Não há evidências de que Moore adoeceu durante a viagem. Em 18 de dezembro, ele apareceu em uma foto postada em sua conta do Twitter, vestindo shorts, com a legenda “Aproveitando um lindo dia em família sob o sol de Barbados”.
Nascido em Keighley, um vilarejo de Yorkshire, em uma família de construtores, Moore formou-se em engenharia civil. Em 1940, aos 20 anos, foi convocado e designado para o Regimento do Duque de Wellington. Primeiro estacionado na Cornualha, no sudoeste da Inglaterra, ele foi escolhido para o treinamento de oficial e enviado para a Índia. Ele treinou recrutas indianos para andar de motocicleta, uma paixão de toda a vida que adquiriu quando menino.
Mais tarde, Moore foi enviado para a Birmânia, hoje conhecida como Mianmar. Durante seu tempo no local, os britânicos montaram um contra-ataque aos ocupantes japoneses em uma região costeira agora conhecida como Rakhine. Foi uma guerra na selva, travada contra um inimigo feroz em condições deploráveis, repleta de doenças tropicais e insetos.
“Se você tirava o paletó à noite para pendurá-lo, de manhã tinha que sacudi-lo para espantar as aranhas e as outras criaturinhas”, disse Moore em uma entrevista ao New York Times em maio. Mas, ele acrescentou, “Não me lembro de ter ficado nem um pouco assustado na época”.
Moore voltou para casa após a guerra e construiu uma vida confortável como gerente de uma empresa de concreto. Ele permaneceu enérgico até o fim dos anos 90, cortando a grama, cuidando de uma estufa e dirigindo seu próprio carro. Mas, há dois anos, ele caiu na cozinha, quebrando o quadril e uma costela e perfurando um pulmão.
Sua hospitalização deixou-o com um apreço duradouro pelos médicos e enfermeiras do NHS. Enquanto o serviço lutava com um fluxo de pacientes com coronavírus na primavera passada (hemisfério norte), levantar dinheiro para sua equipe sitiada parecia uma causa válida. “Nunca em 100 anos, quando começamos, previmos que essa quantia de dinheiro seria levantada”, disse Moore.
Parte do dinheiro que ele arrecadou está sendo usado para criar instalações terapêuticas para médicos e enfermeiras descomprimirem depois de seu trabalho no tratamento de pacientes de covid. Moore disse que via sua arrecadação de fundos como uma forma de apoiar os profissionais de saúde, da mesma forma que lembra que os britânicos apoiaram ele e seus colegas soldados durante a guerra.
“Naquela época, as pessoas da minha idade lutavam na linha de frente e o público em geral estava atrás de nós”, disse Moore. “Neste caso, os médicos e enfermeiras e todo o pessoal médico, eles estão na linha de frente. Depende da minha geração apoiá-los, assim como nós fomos apoiados”.
Mesmo depois de completar 100 anos, Moore não havia perdido seu senso de aventura. Além de Barbados, ele expressou o desejo de voltar para a Índia. “Isso é algo que eu adoraria fazer, mas, aos 100”, disse ele com naturalidade, “você tem um certo limite de tempo”.
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