Brasil e EUA se uniram a outros regimes autoritários para firmar uma aliança internacional contra o aborto. A formação do grupo, batizado de “Consenso de Genebra”, vinha sendo costurada havia meses pela diplomacia americana e se acelerou depois que o Conselho de Direitos Humanos da ONU consagrou o acesso ao aborto como um direito universal.
Nesta quinta-feira, 22, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e o secretário de Saúde, Alex Azar, participaram da cerimônia virtual de assinatura. “A Declaração do Consenso de Genebra tem como objetivo promover a saúde da mulher, defender o nascituro e reiterar a importância vital da família”, disse Pompeo.
O documento é assinado por 32 países, entre os quais estão Arábia Saudita, Sudão, Líbia, Kuwait, Zâmbia e Paquistão. Da Europa, apenas Bielo-Rússia, Hungria e Polônia aceitaram participar da aliança. O acesso ao aborto é amplamente restrito nos países que firmaram a declaração. “Não existe um direito internacional ao aborto”, declarou Pompeo.
No Brasil, o artigo 128 do Código Penal autoriza o aborto “se não há outro meio de salvar a vida da gestante” e no caso de gravidez resultante de estupro (como no caso da criança capixaba de 10 anos, vítima de violência sexual) – neste caso, mediante consentimento da vítima ou de um representante legal. Além disso, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) prevê o procedimento em casos de fetos anencéfalos.
Embora o documento não trate diretamente do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a linguagem do texto retrata a família como “a unidade natural e fundamental da sociedade”, o que tem um grande significado para países que restringem os direitos LGBT.
O Egito, um dos copatrocinadores da aliança, ataca sistematicamente sua comunidade LGBT, de acordo com relatório recente da Human Rights Watch. Em Uganda, que também firmou a declaração, o sexo entre homossexuais pode ser punido com a pena de morte.
O Consenso de Genebra é composto pelos 20 piores países para ser mulher no mundo, segundo o índice Mulher, Paz e Segurança (WPS), da Universidade Georgetown, dos EUA.
Os críticos disseram que a declaração de hoje, menos de duas semanas antes da eleição presidencial americana, marca o último movimento do governo de Donald Trump para construir alianças com líderes acusados de violações de direitos humanos.
O Consenso de Genebra formaliza a criação de um grupo de oposição à Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, que constitui a base para a consolidação do direito do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo como direitos humanos, segundo o direito internacional – o que coloca os EUA no campo contrário de aliados históricos, como Reino Unido e França.
“Nenhum desses países (que firmaram a aliança), pelo menos atualmente, tem um forte compromisso com a saúde e os direitos das mulheres”, disse Gillian Kane, consultora de políticas do Ipas, uma organização com sede nos EUA especializada no acesso ao aborto. “Este governo (dos EUA) não tem contato com as necessidades das mulheres.”
A declaração não é juridicamente vinculante e não altera as leis existentes nos países signatários. Mas está em sintonia com as repetidas tentativas do governo americano de contornar as vias tradicionais da diplomacia para construir caminhos paralelos, colocando a política externa dos EUA em uma direção mais conservadora e atrelada à religião.
A composição da aliança também mostra a dificuldade que Trump encontrou para aumentar a lista de signatários. O Departamento de Estado, sob comando de Pompeo, vinha costurando um acordo havia anos, mas avançou pouco ao longo dos anos – no ano passado, 25 países assinaram declarações conjuntas sobre o tema, um número parecido com o atual.
Em maio, autoridades americanas acusaram as Nações Unidas de usar fundos de emergência destinados ao coronavírus para serviços de saúde sexual e reprodutiva como pretexto para promover o aborto, uma acusação que a ONU negou.
Uma das primeiras ações de Trump no cargo foi restabelecer uma política conhecida como “regra da mordaça global”, que proíbe os prestadores de cuidados de saúde financiados pelos EUA de fornecer ou discutir abortos. O candidato democrata à presidência, Joe Biden, prometeu derrubar essa diretriz, se for eleito, como fez o presidente Barack Obama logo após assumir o cargo, em 2009.
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