O Reino Unido se tornou nesta sexta-feira, 31, o primeiro país a abandonar a União Europeia (UE). Um momento histórico, durante muito tempo incerto, e que – com festa para alguns, e tristeza, para outros – abre um futuro solitário para a nação.
Como se fosse uma metáfora do que para alguns foram quase 47 anos de preponderância europeia, o Brexit aconteceu no último segundo desta sexta-feira... na Europa continental, quando, para os britânicos, o relógio marcou 23h (20h de Brasília).
Um relógio em contagem regressiva projetado na famosa fachada de Downing Street, residência oficial de Boris Johnson, marcou o momento em que a UE perdeu um membro pela primeira vez na história.
"Isto não é um fim, e sim um começo", afirmou o primeiro-ministro Boris Johnson em uma mensagem à nação durante a noite. Com um Brexit que durante muito tempo pareceu impossível, Johnson consegue uma enorme vitória pessoal.
"A cortina se levanta para um novo ato", afirmou, depois de presidir um conselho especial de ministros, na cidade operária de Sunderland, na região norte da Inglaterra, de maioria pró-Brexit.
Ao fim do dia, as instituições britânicas como o Conselho da UE e o Parlamento Europeu, nas sedes em Bruxelas e em Estrasburgo (França), retiraram as bandeiras britânicas de suas fachadas.
Esta é uma data sobretudo simbólica, porque, na prática, quase nada mudará até o fim do período de transição, no fim de dezembro.
Comemorações e lágrimas
Defensores do Brexit se reuniram com bandeiras britânicas para uma grande festa diante do Parlamento de Westminster, que durante três anos foi cenário dos intensos debates sobre a questão mais importante e divisiva na história recente do país.
A poucos metros, os críticos do Brexit, entre eles jovens que não votaram no referendo de 2016, caíam no choro.
Muitas águas rolaram desde a vitória do Brexit na consulta de 2016, quando 52% dos britânicos votaram a favor da saída do bloco europeu. Contudo, uma pesquisa publicada esta semana aponta que apenas 30% dos pró-UE concluíram o "luto" psicológico da ruptura.
Uma tristeza especial afeta muitas pessoas na Escócia, nação semiautônoma britânica que votou contra o Brexit e onde, por decisão de seu Parlamento, a bandeira europeia permanecerá hasteada.
A primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, prometeu fazer todo o possível para conseguir um novo referendo sobre a independência, apesar da intransigência demonstrada pelo governo de Londres.
Na Irlanda do Norte, onde teme-se que o Brexit desestabilize uma paz dificilmente alcançada após três décadas de um confronto violento, os pró-europeus ergueram em Belfast um cartaz que dizia "Esta ilha rejeita o Brexit".
47 anos de relação complicada
O Reino Unido entrou na Comunidade Econômica Europeia - antecessora da UE - em 1973, depois de sofrer dois vetos da França, em 1963 e 1967, preocupada com a possibilidade de o país ser um "cavalo de Troia" dos Estados Unidos.
A relação entre Londres e Bruxelas sempre foi complicada. Os britânicos não adotaram a moeda única, nem a livre-circulação de pessoas, pediram uma importante redução de sua participação no orçamento europeu e sempre foram contrários a uma integração política maior.
Apesar das dificuldades de relacionamento, o resultado do referendo surpreendeu muitos analistas. Alguns o explicaram como uma reação desesperada dos esquecidos pela globalização, que desta maneira desejavam ser ouvidos.
O Brexit estava previsto para 29 de março de 2019. Mas a disputa no Parlamento entre os defensores da saída e os críticos provocou mais de três anos de ásperos debates e paralisação política.
'Isolamento esplêndido'
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, advertiu para os riscos de um "isolamento esplêndido", referência ao termo usado para definir a política externa do Reino Unido no século 19, quando o país permaneceu à margem do continente europeu.
A partir de sábado, embora pouco mude na realidade no período de transição previsto até dezembro, o Reino Unido caminhará de modo solitário.
Johnson terá pela frente a difícil missão de negociar acordos comerciais com a UE, mas também com os Estados Unidos, sua grande aposta para substituir seu principal sócio nesta área.
"Agora, poderão fazer as coisas de forma diferente", afirmou o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, na quinta-feira em Londres, antes de apontar os "enormes benefícios" desta liberdade.
Mas as negociações não serão fáceis: Washington pressionará por mais flexibilidade de Londres nas áreas de saúde e meio ambiente, enquanto Bruxelas - que teme uma concorrência desleal - pedirá respeito aos padrões trabalhistas e ecológicos.
Na mesma linha, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, disse que a Europa será "muito firme" nestas negociações e que "não aceitará" possíveis políticas desleais.
Contudo, não alcançar um acordo comercial a tempo simbolizaria uma "ameaça existencial" à economia da vizinha Irlanda, alertou seu primeiro-ministro, Leo Varadkar.
O Brexit é "um sinal de alerta histórico, que deve ressoar em cada um de nossos países", considerou o presidente francês, Emmanuel Macron, enquanto a chanceler alemã, Angela Merkel, declarou que a data representa uma verdadeira "ruptura" para a Europa.
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