A pressão para que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, deixe o cargo aumentou nesta quarta-feira, 23, significativamente dentro e fora do país. Milhares de venezuelanos pediram nas ruas sua saída do poder, cenário mais plausível depois de os EUA reconhecerem o líder opositor Juan Guaidó como presidente interino, ato seguido por vários países, entre eles o Brasil. Maduro rompeu relações diplomáticas com Washington.
Diante de uma multidão em Caracas, Guaidó declarou-se presidente interino, após semanas de apelo a militares e burocratas para que rompam com o chavismo. Ele invocou dois artigos da Constituição de 1999. Um deles prevê que qualquer cidadão pode restabelecer a ordem constitucional em caso de ruptura. O outro permite que o presidente da Assembleia Nacional declare vaga a presidência e convoque eleições em 30 dias.
- Foto: AFPNicolás Maduro
Os EUA lideraram a ofensiva diplomática em favor de Guaidó e foram seguidos por Brasil, Equador, Argentina, Colômbia, Chile, Peru, Paraguai e outros países latino-americanos, com exceção do México e da Bolívia. Canadá também apoiou o opositor. Rússia e China, tradicionais aliados e Maduro, não se manifestaram.
O Itamaraty afirmou que o Brasil apoiará política e economicamente o processo de transição para que a democracia e a paz social voltem à Venezuela.
Em nota, o presidente Donald Trump prometeu usar a força diplomática e econômica do país para tirar Maduro do poder. Em um indicativo de que sanções ao petróleo podem ocorrer, fontes do governo americano disseram a empresas do ramo de energia que a opção pode ser adotada caso a crise se agrave. O governo americano também alertou Maduro que “todas as opções estão sobre a mesa” caso o chavismo faça algo contra Guaidó ou outro líder da oposição.
Maduro pediu à Justiça que atue contra Guaidó, um discípulo do opositor Leopoldo López, mantido em prisão domiciliar. O chefe militar venezuelano, Vladimir Padrino, garantiu apoio a Maduro. O comunicado de Trump foi emitido após reunião do presidente na terça-feira com políticos republicanos da Flórida. O senadores Marco Rubio vinha, havia dez dias, defendendo que os EUA reconhecessem Guaidó como presidente. Em resposta à decisão americana, Maduro rompeu relações diplomáticas e deu aos membros da Embaixada dos EUA em Caracas 72 horas para deixar a Venezuela.
Os EUA impuseram em 2017 à Venezuela sanções econômicas que dificultaram as fontes de financiamento do regime chavista. Com isso, o governo e empresas estatais deram calote em títulos da dívida e tiveram de procurar outras formas de recurso, principalmente na exportação de ouro. Essas punições afetaram a produção de petróleo venezuelano indiretamente, porque o governo tem dificuldade para honrar seguros e compromissos com fornecedores.
Protestos
Os principais atos contra Maduro ocorreram nas cidades de Caracas, Maracaibo, San Cristóbal, Barquisimeto, Mérida e Valência. O governo convocou chavistas para demonstrar apoio a Maduro, mas estes se reuniram em menor número.
Aos gritos de “não voltarão!”, simpatizantes do governo se reuniram diante do Palácio de Miraflores para “proteger Maduro”, a pedido de Diosdado Cabello, homem forte do chavismo. Antes das manifestações, a madrugada foi violenta em várias cidades do país (mais informações nesta página).
A decisão de Guaidó de se autoproclamar presidente é a parte mais recente da nova estratégia da oposição venezuelana, depois de manifestações de rua frustradas em 2014 e 2017. Ele declarou Maduro usurpador por ter assumido o segundo mandato após eleições não reconhecidas pela oposição e a comunidade internacional. A maior incógnita é se a cúpula do Exército permanecerá fiel a Maduro e se a insatisfação das bases populares chavistas será suficiente para fazê-la juntar-se à oposição.
“A grande questão é se essa onda de protestos pode capturar a insatisfação das massas”, diz David Smilde, do Washington Office on Latin America.
“O governo tem se dividido sobre como lidar com Guaidó, como mostra o episódio de sua breve prisão pelo serviço secreto. Com o reconhecimento dele como presidente, no entanto, alguns países podem dar à oposição o controle sobre ativos venezuelanos no exterior.”
'Grande passo'
O reconhecimento por parte da comunidade internacional – incluindo os Estados Unidos e o Brasil – do presidente interino é um “grande passo”, mas não resolve a crise na Venezuela. A avaliação é do especialista Eric Farnsworth, vice presidente do Council of Americas e ex-assessor da Casa Branca e do Departamento de Estado americano. “É definitivamente um grande passo, que muda o cenário internacional”, diz ele. “Mas não é o último capítulo”.
Segundo ele, estava claro que os EUA e outros países apoiariam Guaidó assim que houvesse uma coordenação interna e os americanos acompanhavam de perto da situação no país desde 10 de janeiro, quando Nicolás Maduro assumiu mais um mandato no país. “É uma mudança no jogo”, afirma.
Violência
Para Farnsworth, o cenário se torna ainda mais volátil daqui para a frente. “Certamente há potencial para instabilidade na Venezuela, mas muito dependerá do papel das forças de defesa e o quanto continuarão leais a Maduro ou apenas não farão nada. Eles não precisam apoiar a oposição, mas podem simplesmente se negar a pressionar a oposição”, afirma. “Provavelmente haverá infelizmente alguma violência. Não vejo Maduro deixando o cargo voluntariamente, irá requerer alguma ação civil pelos militares, pelas pessoas nas ruas”, diz o americano.
Ele não vê, contudo, possibilidade de alguma ação militar internacional. “Ninguém quer fazer isso. A menos que Maduro comece a perseguir diplomatas ou cidadãos americanos o que, claro, iria gerar uma resposta. Mas não acho que isso acontecerá.”
Sobre a ação da Organização dos Estados Americanos, que deve se reunir nesta quinta-feira, Farnsworth aponta que ainda que a reunião do grupo tem como objetivo dar cobertura política aos países que reconheceram Guaidó. “Isso muda as coisas na Venezuela? Provavelmente não, mas provê uma justificativa legal para esses países seguirem da forma como estão fazendo e continua a mostrar que Maduro está isolado”, afirma o especialista sobre a OEA.
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