Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), pediu a reconsideração da decisão individual do ministro Nunes Marques que suspendeu quatro leis estaduais que regulavam a prestação do serviço de capelania nos quadros da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Polícia Civil e Secretarias de Administração Penitenciária e de Segurança Pública.
A decisão levou o governo a exonerar todos os 47 servidores nomeados para a função, que recebiam salários entre R$ 1,4 mil a R$ 17,2 mil. Embora tenha cumprido a liminar, Dino trabalha para restabelecer o que chamou de ‘tradição jurídica’ do processo de escolha dos capelães.
“O Estado do Maranhão defende como legítima e constitucionalmente compatível a sua tradição de promover a política pública de prestação de assistência religiosa e espiritual mediante cargos em comissão”, afirmou o governador ao tribunal.
Os capelães são representantes religiosos que trabalham na prestação de assistência espiritual a pessoas presas e agentes das forças de Segurança. Pelas leis maranhenses, as vagas podem ser preenchidas por livre nomeação do governador, o que foi considerado inconstitucional pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que levou o caso ao Supremo, e pela Advocacia Geral da União.
Em fevereiro, ao analisar a ação, o ministro Nunes Marques concluiu que a brecha para indicações, prevista nas leis, coloca em risco o princípio da liberdade religiosa. Para o ministro, a seleção deve ser feita via concurso público, o que em sua avaliação afastaria a chance de interferência do Executivo na fé da população.
No final de dezembro e, portanto, quase dois meses antes da decisão, o governo publicou um decreto para regulamentar a prestação do serviço de capelania no Estado. Desde então, os cargos já passaram a ser preenchidos exclusivamente via processo seletivo e não mais por nomeação. No entanto, o decreto, que não é submetido ao Legislativo, tem força menor que a lei. Além disso, o modelo atual não é exatamente um concurso. Embora conte com processo de credenciamento e edital de convocação, não há aplicação de prova para definir a lista de aprovados, que passam pelo crivo da comunidade religiosa do Estado.
Ao Supremo, Dino defendeu que o modelo se assemelha com a seleção impessoal via concurso público e é mais adequado para a finalidade da função. O governador argumenta que a abertura de concursos esbarraria em dificuldades na definição de um conteúdo programático aplicável a todas as religiões e poderia causar efeitos colaterais, como a aprovação de muitos servidores adeptos a uma mesma crença.
“A inclusão de um certame para o desempenho das funções de Capelães Religiosos, ao impor uma unificação de dogmas ou mutilação de outros em eventuais normas editalícias, acabara por sobrepujar a liberdade de religião, na medida em que não será juridicamente possível abarcar a infinitude de dogmas, crenças, liturgias e cultos presentes na cultura brasileira, religiosamente assimétrica, violando, consequentemente, os direitos das minorias religiosas”, alega o governo.
A discussão sobre a constitucionalidade das leis foi levantada ainda na eleição de 2018, quando a coligação ‘Maranhão Quer Mais’, da ex-governadora Roseana Sarney (MDB), acusou o então adversário Flávio Dino de lotear os cargos entre aliados políticos em uma estratégia para angariar apoio junto ao eleitorado evangélico. Depois disso, o Ministério Público do Estado ofereceu duas denúncias, aceitas pela Justiça, contra oito capelães que não pediram desfiliação partidária para ocupar as funções.
A desconfiança levantada sobre o possível uso eleitoral do cargo também foi rebatida pelo governador. Dino destacou um trecho do novo decreto estadual que impede a nomeação de capelães filiados a partidos políticos ou que tenham disputado eleições nos cinco anos anteriores. “Qualquer associação do preenchimento de cargos de Capelães Religiosos a interesses políticos partidários ou a objetivos eleitorais não passa de ilação desprovida de sustentação nos fatos”, disparou.
Dino também classificou como ‘simples conjectura’ a argumentação do procurador-geral da República que afastou vínculo de confiança dos capelães com o governador. Para Aras, o cargo não se enquadra em funções de direção, chefia e assessoramento, por isso não deveria ser preenchido por livre nomeação.
“Perceba-se que, muito pelo contrário, a confiança tanto dos usuários/destinatários quanto da autoridades pública responsável é pressuposto primordial para o bom desempenho da prestação de assistência religiosa. Essa relação de confiança é construída a partir da reputação e honorabilidade externalizada pelo Capelão Religioso no exercício de mister religioso essencialmente vinculado à fá professada”, rebateu Dino.
Depois da manifestação, enviada no início de março com a assinatura do próprio Dino, que é ex-juiz federal, a Procuradoria Geral do Estado reiterou o pedido de reconsideração da liminar ou, em alternativa, solicitou que o ministro Nunes Marques encaminhe a ação para análise no plenário do STF. O governo afirma que, com a exoneração dos servidores, agentes das Forças de Segurança e pessoas presas estão desassistidos e passaram a depender quase exclusivamente da prestação voluntária do serviço de assistência espiritual.
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