Nessa sexta-feira (10), a imprensa brasileira repercutiu, segundo a Gazeta do Povo, uma interpretação equivocada de um documento da Conferência Episcopal Italiana (CEI) sobre a ordenação de padres da Igreja Católica.
O documento, intitulado Orientações e Normas para os Seminários, gerou controvérsias após alguns meios de comunicação italianos afirmarem que a CEI teria "aberto o seminário para gays", desde que se abstenham de relações sexuais. No Brasil, jornais chegaram a sugerir que o Vaticano havia tomado essa decisão. No entanto, a informação é incorreta: o conteúdo do documento simplesmente repete as orientações da Igreja Católica, inclusive aquelas apresentadas durante o pontificado do papa Francisco.
A aprovação do texto Orientações e Normas para os Seminários ocorreu em novembro de 2023, na assembleia geral da CEI. O decreto do Dicastério para o Clero, órgão do Vaticano responsável pelas regras sobre sacerdotes, foi assinado em 8 de dezembro de 2023. A promulgação pelo presidente da CEI, cardeal Matteo Zuppi, aconteceu no dia 1º de janeiro de 2024, e o texto foi publicado online pela CEI nos dias seguintes. O ponto central que gerou desinformação encontra-se no item 44, do capítulo sobre o "itinerário formativo" dos seminaristas.
O documento esclarece que, em relação às pessoas com tendências homossexuais que ingressam nos seminários, ou que descobrem tal condição durante sua formação, a Igreja, "embora respeitando profundamente as pessoas em questão, não pode admitir ao seminário e às Ordens Sagradas aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada cultura gay". O texto reafirma que tais pessoas estariam em uma situação que seria um grave obstáculo para um correto relacionamento com homens e mulheres.
Ainda segundo o documento, no processo formativo, é fundamental que o discernimento sobre as tendências homossexuais não seja limitado a este aspecto, mas que se considere o quadro completo da personalidade do candidato. O objetivo da formação é que o candidato ao sacerdócio seja capaz de viver com responsabilidade a castidade no celibato, e que entenda que a castidade não é uma mera atitude afetiva, mas a liberdade da posse, permitindo um amor que é verdadeiramente puro e livre de possessividade.
O documento não faz distinção entre homossexuais que vivem em celibato e aqueles que mantêm relações sexuais. Pelo contrário, ele reafirma que indivíduos com “tendências homossexuais profundamente radicadas” não podem ser admitidos nos seminários, independentemente do seu comportamento. A citação utilizada pelos bispos italianos vem do documento O Dom da Vocação Presbiteral, publicado em 2016 pela antiga Congregação para o Clero, com a aprovação do papa Francisco. Esse documento se baseia em uma instrução de 2005, durante o pontificado de Bento XVI, que já tratava da questão da homossexualidade no contexto da ordenação.
Além disso, a orientação de “não reduzir o discernimento apenas a esse aspecto [a tendência homossexual]” não deve ser entendida como uma permissão para aceitar candidatos homossexuais ao sacerdócio. Trata-se de um lembrete de que os seminaristas devem ser avaliados de maneira holística, sem se limitar a um único traço de sua personalidade.
Confira abaixo a tradução da reportagem
“‘Em relação às pessoas com tendências homossexuais que se aproximam dos seminários, ou que descobrem tal situação no decurso da formação, em coerência com o próprio Magistério, ‘a Igreja, embora respeitando profundamente as pessoas em questão, não pode admitir ao seminário e às Ordens Sagradas aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada cultura gay. Estas pessoas encontram-se, de fato, numa situação que constitui um grave obstáculo a um correto relacionamento com homens e mulheres’.
No processo formativo, quando se faz referências a tendências homossexuais, é importante não reduzir o discernimento apenas a esse aspecto, mas, assim como para qualquer outro candidato, entender seu significado no quadro global da personalidade do jovem, para que, conhecendo-se e integrando os objetivos próprios da vocação humana e sacerdotal, chegue a uma harmonia geral. O objetivo da formação do candidato ao sacerdócio no âmbito afetivo-sexual é a capacidade de acolher como dom, de escolher livremente e viver com responsabilidade a castidade no celibato.
Efetivamente, ‘não se trata de uma indicação meramente afetiva, mas é a síntese duma atitude que exprime o contrário da posse. A castidade é a liberdade da posse em todos os campos da vida. Um amor só é verdadeiramente tal, quando é casto. O amor que quer possuir, acaba sempre por se tornar perigoso: prende, sufoca, torna infeliz. O próprio Deus amou o homem com amor casto, deixando-o livre inclusive de errar e opor-se a Ele’. Além disso, ‘o celibato pelo Reino (cf. Mt 19, 12) há de ser visto como um dom que se deve reconhecer e verificar na liberdade, alegria, gratuidade e humildade, antes da admissão às Ordens ou da Primeira Profissão’.
Isso não significa apenas controlar os próprios impulsos sexuais, mas crescer em qualidade de relações evangélicas que superem a forma da possessividade, que não se deixem dominar pela competitividade e pelo confronto com os demais, e saiba guardar com respeito os limites da intimidade própria e dos outros. Ter consciência disso é fundamental e indispensável para cumprir o compromisso ou a vocação sacerdotal, mas quem vive a paixão pelo Reino no celibato deveria ser também capaz de motivar frustrações na sua renúncia, incluindo a falta da gratificação afetiva e sexual.”
Ver todos os comentários | 0 |