A Receita Federal resolveu facilitar o despacho aduaneiro de mercadorias importadas que entram no Brasil transportadas a granel (grãos e óleo), plantas, animais vivos, frutas frescas e outros produtos facilmente perecíveis. Entram na lista também mercadorias importadas pela administração pública direta e indireta do governo federal, Estados e municípios.
A flexibilização ocorre num momento em que os servidores do órgão fazem, desde o início do ano, um movimento grevista para pressionar o governo a regulamentar um bônus de eficiência vinculado à produtividade e que funciona com uma adicional do salário. O movimento tem como marca principal as "operações-tartaruga", que afetam os despachos aduaneiros, sobretudo, nos portos.
O importador desse grupo de mercadorias podia liberar a entrada no Brasil fazendo o registro antecipado da Declaração de Importação (DI) antes mesmo de os produtos chegarem ao território nacional. Mas a importação obrigatoriamente não poderia passar diretamente pelo canal verde, onde desembaraço da mercadoria é automático, dispensados o exame documental e a verificação física da mercadoria.
As mercadorias eram levadas automaticamente para o canal amarelo (que faz análise dos documentos) ou numa situação de risco maior direcionadas ao canal vermelho (que faz a conferência documental e física das mercadorias). Portaria publicada no último dia 11 da Receita, porém, “desliga” essa “trava”, permitindo que a mercadoria seja agora também direcionada para o canal verde.
Para o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Sindifisco Nacional) a nova norma, ao desativar parâmetros fixos do sistema de despachos nas aduanas, vai facilitar a entrada de mercadorias contrabandeadas. O sindicato vê ligação da medida com a diminuição de 40% no efetivo de auditores sem perspectiva de liberação de novos concursos públicos.
“Como ao despacho antecipado poderá ser atribuído o canal verde, em que as importações entram em território nacional sem conferência física ou documental, um importador mal-intencionado saberá, com antecedência, que sua carga terá chances mínimas de ser inspecionada”, alerta o presidente do Sindifisco, Isac Falcão. Segundo ele, o importador, a partir do momento em que tem conhecimento de que foi atribuído o canal verde, poderá acrescentar cargas ilícitas ao seu carregamento sem correr riscos.
“As medidas carecem de maior cuidado e discussão, exigindo que elas fossem implementadas de forma gradativa, monitorada e integrada com o aperfeiçoamento do próprio gerenciamento de risco”, ponderou Falcão.
A Receita Federal diz justamente que é o contrário. O subsecretário de Administração Aduaneira, Fausto Vieira Coutinho, afirmou que a mudança segue acordos internacionais para aprimoramento do modelo de fiscalização aduaneira baseada em gestão de riscos: o Acordo de Facilitação do Comércio e na Convenção de Kyoto.
Segundo ele, um dos aspectos principais dessa remodelagem do processo foi o desligamento de condições do Sistema de Comércio Exterior (Siscomex) que se mostrem ineficientes e cuja seleção acaba por ocupar desnecessariamente a força de trabalho nas unidades. É o caso das importações com declaração antecipada, agora alterada pela portaria.
O subsecretário ressaltou que o mundo está cada vez mais aberto ao comércio e abertura comercial é fundamental para a economia brasileira. Segundo ele, a Receita faz uma gestão de risco com uso de inteligência artificial muito mais eficiente do que colocar uma regra que diz que toda declaração antecipada tem que ir para o canal de verificação, e "não porque ela é perigosa".
Mesmo que a importação caia no canal verde, o subsecretário disse que, com a gestão de risco, o auditor pode, a tempo hábil, redirecionar para o canal vermelho. Ele rechaçou que a medida tenha sido tomada por conta da "operação-tartaruga" e informou que tem monitorado diariamente as as aduanas com os superintendentes regionais, agindo rapidamente assim que detectam o problema.
Os articuladores grevistas estranham que as mudanças na norma aconteçam agora e suspeitam que possa ter por trás motivo para frustrar a operação padrão. Em resposta à greve, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já defendeu nos bastidores a liberação das mercadorias pelo canal verde.
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