O déficit comercial da indústria de ponta no Brasil voltou a crescer neste ano. Os setores mais avançados no uso de tecnologia até registraram uma melhora nas exportações, mas as importações também avançaram, mantendo o saldo comercial no vermelho.
No primeiro semestre, a indústria de alta tecnologia acumulou déficit de US$ 21,1 bilhões, 28,6% acima do apurado entre janeiro e junho do ano passado (US$ 16,4 bilhões), de acordo com um levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). A diferença foi de US$ 4,7 bilhões (cerca de R$ 24,25 bilhões). Na indústria de média-alta tecnologia, o rombo cresceu ainda mais (34,6%), de US$ 28,6 bilhões para US$ 38,5 bilhões no mesmo período.
“O déficit nos setores de maior intensidade tecnológica reflete, claramente, um problema de competitividade do País, porque esses ramos têm mais etapas, com cadeias produtivas longas”, diz Rafael Cagnin, economista-chefe do Iedi. “Com cadeias globais longas, todas as distorções (do Brasil) se acumulam, como as questões tributária e de infraestrutura.”
A indústria de ponta é composta por vários setores, como automotivo, químico e eletroeletrônico, entre outros.
Nos demais segmentos, o Brasil colhe superávits comerciais. No setor de baixa e média-baixa tecnologia, o resultado ficou positivo em US$ 36,8 bilhões e US$ 49,2 bilhões, respectivamente, entre janeiro e junho. “Os ramos de menor intensidade tecnológica, em parte, estão associados à atividade primária exportadora”, diz Cagnin. Na indústria média, o superávit registrado foi de US$ 7,5 bilhões.
São fatores conjunturais e estruturais que explicam um número mais negativo do resultado comercial para os setores de mais alta tecnologia. A alta dos preços globais e o crescimento econômico do Brasil acima do esperado contribuem para o aumento do peso da importação - hoje as previsões para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano já estão próximas de 3%. Mas o déficit crescente mostra também, de acordo com especialistas, que o Brasil fica para trás na corrida por uma indústria de ponta e mais moderna, além de evidenciar uma economia fechada, sem grandes acordos comerciais.
“Os ramos mais intensivos em tecnologia são o principal veículo numa integração mais sistêmica da nossa economia com o resto do mundo. São eles que pilotam a inserção dentro das cadeias globais de valor”, afirma o economista do Iedi. “À medida em que o País não avança na integração (global), na participação de mais acordos e na redução barreiras no comércio exterior, esses ramos de maior intensidade tecnológica também são prejudicados.”
Um mapeamento realizado pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) dá a dimensão da perda de espaço dos setores com mais intensidade tecnológica no comércio global ao longo dos últimos anos. De 2018 a 2021, a participação da indústria de média-alta tecnologia nas exportações brasileiras recuou de 15,8% para 11,9%, e a do setor de alta tecnologia diminuiu de 4,7% para 2,2%.
“O resultado chama a atenção e torna, mais uma vez, oportuna as discussões sobre pontos importantes, como a internacionalização das pequenas e médias empresas, financiamentos pré e pós-embarque e de seguro e garantias”, afirma Daiane Santos, economista da Funcex. “Neste momento, é preciso pensar em propostas de ação focadas em possibilidades e potencialidades de ganhos de comercio e inovação.”
Custos dificultam exportação
Com uma fábrica em São Bernardo do Campo, a Toledo do Brasil importa cerca de 40% da matéria-prima utilizada para produzir balanças, e as exportações representam apenas 2% do faturamento da empresa.
“Eu gostaria de exportar mais. Não conseguimos, até agora, aumentar a exportação além do nível de US$ 2 milhões ao ano por causa custos que temos”, afirma Paulo Haegler, presidente da Toledo do Brasil. Um dos custos citados por ele é o da mão de obra. “Mas também estamos fazendo mudanças no perfil dos revendedores, buscando novos profissionais.”
Hoje, a empresa exporta para a América do Sul e Central. No futuro, se conseguir ampliar as suas vendas externas, planeja seguir com foco de atuação nos países sul-americanos. “A gente não está com custos para brigar facilmente com a China em outros lugares.”
A desorganização nas cadeias de suprimentos provocada pela pandemia de coronavírus fez com que os preços de itens importados pela Toledo subissem de duas a três vezes em relação ao valor observado antes da crise sanitária. “Quem consegue achar os componentes encontra por preços mais altos e teve de fazer o repasse”, diz o executivo. Os reajustes variaram de 10% a 22% no último ano.
Para evitar problemas de abastecimento, a Toledo investe R$ 30 milhões por ano em engenharia de desenvolvimento. “Estamos investindo para ter soluções que custem menos”, diz Haegler. “Nesses últimos dois anos, o investimento foi três vezes maior do que a nossa depreciação, para melhorar as máquinas e o que temos dentro das companhia.”
Os grandes números dos setores
Em todo o setor de eletroeletrônicos, o déficit comercial cresceu 9% entre janeiro e setembro e chegou a US$ 27,5 bilhões. No acumulado do ano passado, o rombo foi de US$ 34,4 bilhões. “Temos uma dependência de alguns insumos importados que nos tiram uma possibilidade estratégica de sermos fornecedores no exterior”, diz Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).
O setor poderia ter um resultado pior não fosse o câmbio desvalorizado - as vendas para o exterior cresceram 18% neste ano. “Houve um crescimento das nossas exportações e isso vem sendo mantido por uma taxa de câmbio num nível viável para exportações, considerando os custos que nós temos no Brasil”, afirma Barbato.
Na indústria química, as exportações também aumentaram. Elas registraram alta de 33% e chegaram a US$ 13,5 bilhões nos primeiros nove meses do ano, mas as importações tiveram um salto maior. Subiram 47,5% e somaram US$ 62,5 bilhões. O déficit acumulado, portanto, é de US$ 49 bilhões, acima do apurado no mesmo período de 2021 (US$ 46,3 bilhões).
“O setor químico vai ter um déficit acima de US$ 65 bilhões de dólares em 2022″, prevê Denise Mazzaro Naranjo, diretora de assuntos de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). “Esse resultado se dá por questões do setor químico, que são naturais dele, por questões da macroeconômica do País, e por aspectos conjunturais. É uma tempestade perfeita que leva a esse déficit.”
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