Com o empurrão da inflação mais alta, os governadores estão com os cofres bem mais cheios na antessala da campanha eleitoral de 2022. De janeiro a maio deste ano, o patamar de arrecadação já superou em R$ 45,1 bilhões o resultado obtido no mesmo período de 2019, antes da pandemia de covid-19.
Como há restrições legais ao aumento de despesas obrigatórias até o fim de 2021, a tendência é de que os Estados usem o caixa mais cheio no ano que vem, quando governadores querem mostrar serviço em ano de eleições após os tempos difíceis da pandemia. Um dos riscos apontados por especialistas é que os governadores usem essa sobra para aumentar despesas permanentes em 2023.
Até maio, a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo estadual e principal fonte de receita dos governadores, alcançou R$ 250 bilhões, com alta real (acima da inflação medida pelo IPCA, índice oficial) de 11%. Sobre 2020, quando a pandemia derrubou a arrecadação, as receitas desse ano subiram R$ 50,6 bilhões, aumento de 16% (veja ao lado o aumento de cada Estado).
Os dados da arrecadação do ICMS de janeiro a maio foram reunidos, a pedido do Estadão, pela Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) com base nas notas fiscais eletrônicas emitidas.
Puxado pelo boom internacional de alta das commodities (produtos básicos), Mato Grosso, que é produtor de alimentos, está no topo da lista dos Estados com maior crescimento da arrecadação do ICMS, 41,2% nos primeiros cinco meses do ano. O Estado de São Paulo, a maior economia do País, arrecadou 8,7% (R$ 12 bilhões) a mais em comparação a 2019, chegando a R$ 72 bilhões.
A recuperação da arrecadação dos Estados acompanha também a arrecadação do governo federal, que já cresceu R$ 96 bilhões em relação a 2019 e R$ 156 bilhões sobre o resultado do ano passado nos primeiros cinco meses do ano.
“Olhando para o aspecto político, a tendência é os governadores fazerem caixa para gastar em 2022, que é ano de eleição”, prevê o presidente da Febrafite, Rodrigo Spada. Segundo ele, 2022 é um ano em que os governadores querem ter um caixa mais elevado e vão procurar entregar obras no primeiro semestre.
Spada diz que os Estados vão procurar guardar o caixa porque a Lei Complementar 173 (que estabeleceu as regras para o socorro federal às unidades da federação) proíbe o aumento de despesas obrigatórias até o fim deste ano e ainda congelou os reajustes salariais dos servidores públicos da União, dos Estados e dos municípios.
Reajustes de salário
Como mostrou reportagem recente do Estadão, muitos Estados e municípios já contrataram reajustes para o ano que vem. Além das cidades de São Paulo e Manaus, pelo menos sete Estados deram reajustes ou abriram caminho para aumentos ao funcionalismo neste ano, apesar da restrição legal, segundo levantamento feito pelo Estadão.
Spada alerta, porém, que não há certeza de que os Estados estejam saindo da crise porque essa recuperação da arrecadação é decorrente do aumento da inflação, sobretudo do IGP-M, que é usado para corrigir os preços dos aluguéis. Ele ressalta que, apesar do incremento das receitas, o número de notas fiscais emitidas não aumentou em 2021, na comparação com o ano passado.
“Isso significa que não teve muito mais negócios. Foram os preços desses negócios que aumentaram significativamente.” Ele explica que, com os preços mais altos, os Estados arrecadam mais porque o ICMS é cobrado sobre um porcentual do valor de venda dos produtos.
O presidente da Febrafite pondera que é uma arrecadação que decorre da inflação, o pior “imposto” que existe para a população de baixa renda.
Ele lembra que com a inflação mais salgada as despesas dos Estados também crescem. O ICMS é um dos principais termômetros da atividade econômica porque a empresa vende num mês o produto e já no começo do mês seguinte tem de fazer essa apuração e recolher o imposto.
Ganho temporário
Especialista em contas dos Estados e consultora da Febrafite, a economista Vilma Pinto avalia que essa melhoria na arrecadação é temporária e não estrutural, por causa do ciclo de commodities (produtos básicos, como alimentos, petróleo e minério de ferro) e efeito inflacionário relevante. “Será arriscado e temerário fazer aumento de gastos obrigatórios”, diz ela, em razão de duas novas legislações, que exigem mais contrapartidas de ajuste nas contas dos governadores. Vilma assume nos próximos dias uma vaga na direção da Instituição Fiscal Independente (IFI).
Já Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro, alertou que a percepção positiva do ciclo temporário de alta dos preços de commodities pode ensejar uma visão de mais sobra para gastos do que realmente o País tem. “O risco é o caixa mais cheio do governo federal, Estados e municípios se transformar em despesas permanentes logo adiante”, disse Vescovi, que é economista-chefe do Santander e também especialista em contas estaduais.
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