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Economia e Negócios

Banco Central está apostando firmemente em um cenário de colapso

Ainda assim, o economista evita afirmar que houve interferência política na decisão. Para Schwartsman, o BC está "apostando firmemente em um cenário de colapso".

O ex-diretor do Banco Central (BC) Alexandre Schwartsman, que há até poucos meses era economista-chefe do banco Santander, é um dos mais ferrenhos críticos da política econômica implementada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Obviamente, ele não ficou satisfeito com a inesperada decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) de reduzir a taxa básica de juros (Selic) de 12,50% para 12% ao ano.

Ainda assim, o economista evita afirmar que houve interferência política na decisão. Para Schwartsman, o BC está "apostando firmemente em um cenário de colapso". "Dito isso, o fato é que o Banco Central colocou em risco sua credibilidade e a manutenção do sistema de metas." A seguir, os principais trechos da entrevista:

A decisão do Copom surpreendeu? O Banco Central errou?

Surpreendeu a mim e a todo mundo. Mesmo os que esperavam algum corte no juro não acreditavam que viria tão cedo e nessa magnitude. Os poucos que estavam nessa linha previam 0,25 ponto. A decisão foi errada? O que posso dizer é que só se mostrará certa se o futuro for exatamente aquele que o BC está imaginando. O único cenário que me parece consistente com essa decisão - que deve incluir outros cortes além deste de 0,50 ponto - é o de um colapso da economia global nos próximos meses.

Semelhante ao de 2008?

Sim, uma reprise de 2008. Isso faria com que um corte preventivo de juros se justificasse. Em 2008, a inflação também vinha alta - embora não como hoje. Mas aquela forte queda da produção no mundo tirou as pressões inflacionárias da economia brasileira. Por isso, houve espaço para cortar o juro e entregar a inflação na meta. Esse é o cenário de colapso. Mas todos os outros não são assim. O crescimento está muito baixo nos EUA, no Japão e na Europa e vai ficar assim por um bom tempo. Mas consideremos também a hipótese de que nenhum banco quebre. O que ocorre nesse cenário? O nosso crescimento desacelera, mas não em um ritmo que se mostre capaz de fazer a inflação convergir para a meta em 2012. Ou seja, o que fará o BC em um cenário no qual a catástrofe não se materializa? Vai continuar cortando o juro? O BC corre o risco de chegar ao final deste ano ou ao início do próximo e se ver obrigado a mudar o rumo.

De que horizonte estamos falando?

É algo de meses, até o fim do ano. A imagem que me vem à mente é a de uma pessoa que espera que um incêndio atingirá sua casa. Essa pessoa cerca a casa de água. E se o incêndio não vem? A pessoa vai ter de secar tudo. A alternativa que, na minha avaliação, poderia ter sido adotada é não fazer nada de imediato e alertar o pessoal que, se a coisa ficar feia, eu vou cortar juros. Aí espero. Se a casa realmente pegar fogo, encharco a casa. Se não pegar, não faço nada.

No mercado financeiro, investidores traçam seus cenários e agem de acordo com ele. Alguém pode imaginar uma conjuntura de crise aguda e se posicionar no mercado de acordo com essa avaliação. Mas um banco central pode fazer isso?

Essa é uma boa pergunta. Tenho a impressão de que não. A estratégia que um BC deve seguir é a de não-arrependimento. É o que expliquei antes. Há duas alternativas. Agir e correr o risco de ter de mudar o rumo ou esperar mais para ver o que acontece. Me parece que a segunda alternativa traz menos arrependimento. Eu teria ido por esse segundo caminho. Avisaria que, se a coisa ficasse feia, eu cortaria o juro.

Se o cenário negativo do BC não se concretizar, há risco de a inflação estourar o teto da meta em 2012?

Há. Mas é preciso frisar que o cenário mais provável, hoje, é de não rompimento do teto da meta. Vai ficar ali perto, mas sem romper. Se realmente não houver uma crise como a que espera, o BC terá perdido a chance de cumprir a meta em 2012 e, talvez, em 2013. O dano é a credibilidade do BC.

Assumindo que a aposta do BC se mostre errada, ainda assim, o cenário mais provável, como o sr. disse, é de a inflação não superar o teto da meta em 2012. Não há, então, uma crítica exagerada ao BC?

A questão não é estourar o teto da meta. A propósito, estourar a meta, a gente já estourou. A meta de inflação não é até 6,5%. É 4,5%. Estamos perdendo essa meta por quase dois pontos porcentuais neste ano. A inflação desviou em 2010, desviará em 2011 e, quem sabe, também em 2012 e não tem problema? E, quando falo em desviar, me refiro a estar persistentemente acima do centro da meta. Que diabo de regime de metas é esse? Isso é grave. O intervalo existe para acomodar choques inesperados. Não houve choque que justificasse o estouro da meta este ano. Não estou dizendo que haverá hiperinflação, mas cadê a institucionalidade do sistema?

A decisão do BC foi fruto de erro técnico ou influência política do Executivo?

Me inclino a pensar que o BC tomou uma decisão que, no caso, coincidia com o que seria a pressão política. Se houver mesmo uma piora da crise, eles serão heróis. Só que não é assim que a gente avalia. Para mim, o correto é a estratégia de mínimo arrependimento. Eles não a escolheram e acho um equívoco. Se errarem agora, será difícil voltar.

E influência política?

Vai saber. É até curioso, porque o ministro Guido Mantega (Fazenda) sempre diz a mesma coisa: o Copom faz o que quiser, mas eu acho que.... Sempre acontece. É esse o ministro da Fazenda que temos, não é outro. Posso até falar da minha experiência e de amigos no BC. O objetivo era tomar uma decisão que não fosse afetada nem de um lado nem de outro por esse tipo de coisa. A ideia era esquecer o que viesse de fora para tomar a decisão mais objetiva possível. Tem de manter o sangue frio nessa hora. Nunca tomamos decisão para mostrar que ninguém mandava na gente. E acho que isso continua valendo. O pessoal que está no Banco Central tem de estar suficientemente treinado para deixar entrar por um ouvido e sair pelo outro as pressões que chegam pelos jornais.
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