Há mais de 10 anos o Brasil tem uma Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). E mesmo com esse marco legal em curso, a situação nacional está longe de ser positiva. Conforme dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), 40% das 76,1 milhões de toneladas de resíduos sólidos coletadas anualmente no País estão depositadas em lixões.
O que gera tanto um problema ambiental – o metano que sai do lixo é um gás que superaquece a atmosfera – quanto de saúde pública, pois o chorume que escorre das montanhas de resíduos a céu aberto contamina os rios.
Apesar de avanços nas áreas de disposição final de lixo e no incremento da economia circular e da reciclagem industrial - e o Brasil é o país que mais recicla latas de alumínio no mundo, por exemplo -, há muito a ser feito. Produzir energia a partir do lixo, por exemplo, é uma estratégia para reduzir a poluição ambiental e ainda economizar recursos.
“Por mais que não seja uma bala de prata, e que tenhamos que focar nos 3Rs (redução, reutilização e reciclagem), a energia do lixo é uma tecnologia com muito potencial para somar, dentro da nossa realidade. Não é nenhuma aventura e não estamos inventando nada. Existem hoje por volta de 2,5 mil usinas no mundo, mais de mil apenas no Japão”, afirma Rubens Aebi, vice-presidente da ABREN (Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos).
Na prática, as usinas que operam a partir dessa lógica defendida por Aebi incineram a parte orgânica do lixo e, a partir disso, geram energia elétrica tradicional. “É uma tecnologia totalmente segura do ponto de vista ambiental, que gera energia limpa e ainda diminui a necessidade do aterro sanitário para sempre”, explica Aebi.
Segundo o executivo, além de reduzir a emissões de gases como o metano, e baixar o volume de lixo em 95%, os 5% restantes, em forma de cinzas, podem ser usados, por exemplo, na construção civil. “É um material totalmente inerte”, explica.
Apesar de ser usada há décadas em países europeus – e cidades como Paris e Zurique têm suas instalações que queimam lixo na frente de todos – esse tipo de tecnologia não conseguiu, ainda, eliminar por completo a necessidade de se construir aterros sanitários, afirma Carlos Silva Filho, diretor presidente da Abrelpe.
“Não podemos colocar o carro na frente dos bois. É preciso que sejam feitos estudos de viabilidade técnica muito precisos para se entender se esse tipo de tecnologia é ou não viável, tanto do ponto vista econômico quanto até ambiental”, explica o executivo da Abrelpe.
“É uma solução possível dentro das várias outras e respeitando condições específicas. Nenhum país do mundo deixou de ter aterros por isso. Não pode ser tratada como uma panacéia”, pondera Silva Filho, para quem o Brasil, antes, deveria focar no aumento da reciclagem de seu lixo e em ações que favoreçam, por exemplo, a compostagem da fração orgânica dos resíduos sólidos.
“Essas usinas de energia a partir dos resíduos sólidos tem um potencial bastante interessante para o Brasil. Temos uma quantidade apreciável de resíduos que depende de uma solução definitiva. Ao meu modo de ver, os aterros sanitários são apenas soluções temporárias, em que áreas extensas permanecem mobilizadas e quase sempre ficam contaminadas, deixando um legado negativo para as gerações futuras”, afirma Marco Aurélio dos Santos, professor associado do programa de planejamento energético da Coppe/UFRJ.
De acordo com o especialista, apesar do preço alto do primeiro leilão, realizado no ano passado, deve-se investir mais nessa nova tecnologia até para que ela possa baratear no futuro, assim como ocorreu com os equipamentos usados na geração das energias solar e eólica. “Esse novo paradigma poderá ser uma das soluções, mas não o único”, diz Santos.
O leilão realizado em 2021 deverá colocar no sistema, ao menos, 12 MW – a um custo de R$ 549 o MWh – que deverão ser produzidos a partir de 2025 em uma usina térmica na cidade de Barueri, na Grande São Paulo, que deverá ser construída por R$ 520 milhões. Se tudo der certo e ela começar a operar será a primeira instalação do gênero na América Latina.
“Estes 12MW não são significativos para suprir a demanda, mas não deixa de ser importante para mostrar que essa opção de geração de energia pode ser uma das alternativas viáveis que temos”, explica o pesquisador da Coppe. Em setembro, outros leilões devem ocorrer.
Pelas estimativas da ABREN, com 56% do lixo urbano produzido nas 28 regiões metropolitanas do Brasil com mais de 1 milhão de habitantes seria possível abastecer 27 milhões de residências. “Em regiões com menos de 600 mil habitantes não existe viabilidade econômica. Seria preciso, de repente, fazer consórcios entre os municípios”, afirma Aebi. “Essas usinas custam entre R$ 500 milhões a R$ 1 bilhão.”
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