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Pedidos de vista de Nunes Marques travam suspeição de Sérgio Moro

Outros três julgamentos no STF também estão travados. Ministro alegou que não teve tempo para preparar um voto aprofundado sobre caso Lula.

Quatro julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) estão hoje paralisados por pedidos de vista (mais tempo para análise) do ministro Kássio Nunes Marques. O mais recente deles a ser suspenso pelo ministro é o que discute se o ex-juiz federal Sérgio Moro atuou com parcialidade ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na ação penal do triplex do Guarujá. O placar do julgamento está empatado em 2 a 2, faltando apenas o voto do magistrado - a ministra Cármen Lúcia, no entanto, avisou que vai se manifestar novamente no caso.

Uma mudança no regimento interno do Supremo, aprovada no ano passado, ampliou o prazo para que os magistrados possam manter os julgamentos travados. Antes, o pedido de vista devia ser devolvido até a segunda sessão ordinária subsequente da interrupção do julgamento - em média, duas semanas depois (isso porque as sessões de terça e quarta-feira do STF são ordinárias; já as de quinta, extraordinárias).


Foto: Marcelo Cardoso/GP1Kássio Nunes
Kássio Nunes

Agora, a nova redação do regimento prevê que o caso deve ser devolvido para julgamento dentro de 30 dias, mas esse tempo não costuma ser respeitado pelos integrantes da Corte. O próprio Nunes Marques tem dois pedidos de vista, feitos em novembro do ano passado, que ainda não foram devolvidos. Colegas do ministro, no entanto, avaliam reservadamente que ele não deve demorar muito para liberar o caso de Moro para julgamento.

Ao pedir mais tempo para analisar o habeas corpus em que a defesa de Lula acusa Moro de tratá-lo como um “inimigo” no caso do triplex do Guarujá, Nunes Marques alegou que não teve tempo para preparar um voto aprofundado sobre a discussão. O processo foi incluído pelo ministro Gilmar Mendes, presidente da Segunda Turma, na pauta de julgamento faltando menos de três horas para o início da sessão.

“Todos nós sabemos que esse é um processo de extrema relevância e de um conteúdo extremamente vasto e complexo, que demanda tempo, atenção e estudo. Eu nunca julguei essa matéria. Soube, como todos nós, do julgamento pouco antes dessa sessão”, disse Nunes Marques, ao surpreender colegas que apostavam na conclusão do julgamento na última terça-feira.

“O tempo foi extremamente curto para um membro da corte que jamais participou do processo e que não tinha absolutamente nenhum conhecimento sobre ele”, afirmou Nunes Marques.

A discussão foi iniciada na Segunda Turma do STF em dezembro de 2018, quando Gilmar pediu vista - antes de Moro assumir o cargo de ministro da Justiça do governo do presidente Jair Bolsonaro e de virem à tona mensagens obtidas por um grupo criminoso de hackers.

Dois anos e três meses depois do início da discussão, Gilmar devolveu a vista e pautou o julgamento, em resposta à ofensiva do ministro Edson Fachin, que anulou condenações de Lula na Lava Jato e determinou o envio de quatro ações para a Justiça Federal do DF.

Mandatos cruzados. O pedido de vista mais antigo de Nunes Marques - que ainda não foi devolvido - ocorreu em 16 de novembro de 2020, no plenário virtual do STF, logo depois de o magistrado assumir uma cadeira no tribunal. Na ocasião, Nunes Marques suspendeu a análise de uma questão sobre o alcance do foro privilegiado nos casos de “mandatos cruzados”. É quando se discute a prerrogativa de um político manter o foro privilegiado do cargo antigo após assumir um novo posto.

O STF já reduziu a extensão do foro para os crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo, mas há pontas soltas. O caso paralisado por Nunes Marques gira em torno de um inquérito da deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), que assumiu uma cadeira na Câmara após deixar o Senado, e conseguiu manter o foro privilegiado, mesmo com as investigações se referindo ao mandato anterior. Gleisi é investigada sob a suspeita de participar de um esquema de desvios na Petrobrás e no BNDES na época em que era senadora.

A discussão também pode trazer reflexos para o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). O filho do presidente da República tenta garantir o foro no caso das “rachadinhas”, mesmo respondendo por atos cometidos no mandato anterior, de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Quatro meses após o início do julgamento de uma questão de ordem sobre a controvérsia, Kassio ainda não devolveu a vista.

Os outros dois pedidos de vista do ministro que seguem travando processos envolvem a herança de uma viúva e o pagamento de honorários advocatícios.

Repercussão. Na avaliação de Davi Tangerino, professor de Direito Penal na FGV São Paulo, o pedido de vista de Nunes Marques no caso da suspeição de Moro “pode ser entendido como apaziguador”.

“Pedir vista, em momento tão sensível e acalorado, seria uma forma de evitar maiores desgastes no calor da decisão. Os temas da competência (da Justiça Federal de Curitiba para analisar as ações contra Lula, apontada por Fachin ao derrubar as condenações de Lula) e da suspeição (a suposta parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro ao condenar o petista), embora imbricados, comportam análises bem distintas. Para que não haja especulação de que o timing da vista teria objetivo político, o ideal é que o ministro devolvesse o voto-vista o quanto antes”, comentou Tangerino.

Para o professor de Direito Constitucional da FGV São Paulo Roberto Dias, o argumento de Kassio para pedir vista e interromper a discussão é “coerente”, considerando que ele assumiu uma cadeira no Supremo em novembro do ano passado.

“Pedir vista para analisar melhor este caso, que tramita há tempos, é coerente com a justificativa. Por isso ou por vontade deliberada de atrasar o processo, o fato de a questão (da anulação das condenações de Moro) ir a plenário, a meu ver, é bom para a própria Corte. Decisões colegiadas — especialmente em casos sensíveis — fortalecem o tribunal e sua reputação”, disse Dias.

Prazo. Procurado pela reportagem, o STF destacou que o prazo de 30 dias é contado a partir da data de publicação da ata de julgamento. “A ata da sessão ordinária somente é publicada depois de aprovada pelos ministros na sessão seguinte. A ata da sessão da Segunda Turma (de anteontem, em que foi julgado o caso da suspeição de Moro) provavelmente será publicada na próxima quarta-feira”, comunicou a Corte.

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