O embate do procurador-geral da República, Augusto Aras, com as forças-tarefa da Lava Jato reforçou a polarização existente no Supremo Tribunal Federal (STF) entre a ala que reprova a postura dos procuradores e a que defende os métodos da operação. Enquanto Aras tenta enquadrar a “República de Curitiba”, uma série de mudanças dentro do Supremo deve afetar nos próximos meses a correlação de forças entre esses dois grupos.
A Segunda Turma – formada por cinco dos 11 ministros – evidencia as divisões internas do Supremo: de um lado, o relator da Lava Jato, Edson Fachin, e Cármen Lúcia costumam votar a favor de medidas da operação e pela condenação de réus; de outro, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes tendem a se manifestar contra os interesses da operação e são mais propensos a ficar ao lado dos investigados. Muitas vezes cabe ao decano do STF, Celso de Mello, dar o voto decisivo que define o placar. Celso se aposenta compulsoriamente em 1.º de novembro, quando completa 75 anos, abrindo a primeira vaga na Corte para indicação do presidente Jair Bolsonaro.
Na sessão da terça-feira passada da Segunda Turma, diante da ausência de Cármen e Celso, Fachin se viu isolado e foi derrotado em dois julgamentos que envolviam pedidos de Lula. A sessão foi marcada pelos votos de Gilmar e Lewandowski contra a atuação do então juiz Sérgio Moro na 13.ª Vara Federal de Curitiba. As declarações dos dois magistrados sinalizam que ambos devem apontar a suspeição de Moro em outro julgamento, o que analisa a conduta do ex-juiz ao condenar Lula no caso do triplex do Guarujá. Cármen e Fachin já votaram contra declarar Moro parcial, mas ainda faltam os votos de Gilmar, Lewandowski e Celso de Mello. A discussão, iniciada em dezembro de 2018, não tem data para ser retomada.
Transferência
A abertura de uma vaga na Segunda Turma, com a aposentadoria de Celso, reacendeu as especulações no tribunal de que eventualmente um ministro da Primeira Turma seja transferido para a Segunda. Isso serviria para preencher internamente a vaga do decano no colegiado – e poderia evitar que o nome que vier a ser escolhido por Bolsonaro integre o grupo que discute casos ligados à Lava Jato.
Em um movimento parecido, em 2017, Fachin migrou da Primeira para a Segunda Turma, depois do acidente aéreo que levou à morte de Teori Zavascki. Só depois que Fachin foi transferido de Turma e confirmado como o novo relator da Lava Jato é que o então presidente Michel Temer oficializou o nome de Alexandre de Moraes para a vaga de Teori. Moraes acabou indo para a Primeira Turma.
O Supremo costuma obedecer ao critério de antiguidade nesses casos. “Não me permito ser usado para formar certo colegiado. Por isso, tendo preferência, não migrei em passado recente. Que os demais integrantes da Primeira Turma digam por si”, disse ao Estadão o ministro Marco Aurélio Mello.
Quando Celso se aposentar, o segundo integrante da Primeira Turma mais antigo será Dias Toffoli. O atual presidente do Supremo vai compor o colegiado assim que deixar o comando do tribunal e passar o bastão para Fux. Depois de ser bombardeado por críticas durante a sua presidência, Toffoli sinalizou a interlocutores que não pretende migrar para a Segunda Turma, onde poderia se somar a Lewandowski e Gilmar Mendes, fortalecendo o grupo contrário à Lava Jato.
Perfil
A primeira mudança no STF que deve afetar a Lava Jato ocorrerá em setembro, quando o ministro Luiz Fux – considerado um aliado de Curitiba – assume a presidência do tribunal. No comando da Corte, Fux terá o poder de definir os processos que serão analisados pelos 11 colegas nas sessões plenárias, além de analisar casos urgentes durante os movimentados plantões do Judiciário.
“Em razão do histórico das suas decisões, Fux é muito alinhado à Lava Jato, e como ele é o responsável pela pauta, provavelmente vai sentir o momento correto para colocar em julgamento cada uma das ações que entender pertinentes”, disse o advogado Roberto Dias, professor de Direito Constitucional da FGV São Paulo. “Para a força-tarefa da Lava Jato, é uma boa notícia a chegada dele à presidência.”
Segundo mensagens privadas divulgadas pelo site The Intercept Brasil, o então juiz Moro escreveu ao procurador Deltan Dallagnol: “In Fux we trust (em Fux nós confiamos, em inglês)”. O comentário teria sido feito após Dallagnol relatar a Moro o teor de uma conversa na qual discutiu com o ministro do Supremo a importância de proteger as instituições.
Evangélico
O futuro da Lava Jato no STF também será influenciado pelo nome que vier a assumir a cadeira de Celso de Mello. Bolsonaro já disse que quer um ministro “terrivelmente evangélico” para a vaga – o ministro da Justiça, André Mendonça, é um dos favoritos para a indicação. Nos últimos meses, ele tem sido questionado. Recorreu à Lei de Segurança Nacional para processar críticos de Bolsonaro e sua pasta organizou um relatório com nomes de opositores do governo.
Para Roberto Dias, Bolsonaro não era um candidato “verdadeiramente pró-Lava Jato”. “Fica difícil dizer que o ministro que será nomeado vai se alinhar a Fachin ou a Gilmar. Pelo que vimos nos últimos meses, é possível que nomeie um ministro que seja contra a Lava Jato”, avaliou o professor da FGV.
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