A Controladoria-Geral da União (CGU) editou norma técnica na qual ‘consolida o entendimento’ de que críticas e manifestações públicas de servidores nas redes sociais contra decisões e políticas do governo federal são passíveis de apuração disciplinar. A medida foi assinada no dia 03 de julho e visa unificar o entendimento do órgão sobre a legislação que prevê condutas puníveis a agentes públicos.
“Uma simples opinião de um servidor nestes canais (redes sociais), especialmente quando identificada a sua função e lotação, pode, a depender do seu conteúdo, desqualificar um órgão, gerar graves conflitos ou, em situações extremas, dar azo a uma crise institucional”, apontou a nota técnica da CGU.
Segundo o órgão, as exigências decorrem devido ao fato de servidores estarem submetidos a um regime jurídico ‘mais rígido e austero’ que outras categorias e por isso ‘suas vidas privadas são afetadas por maior número de restrições.
“Portanto, mesmo fora do período de trabalho, há de ser exigido do servidor, sob certos aspectos, um mínimo de comportamento ético, disciplinado e condigno com a função pública exercida, quando mais nos casos em que este se identifique como tal, ou que, de alguma forma, seja reconhecido como representante da Administração”, apontou a CGU.
Os esclarecimentos da CGU reforçam cartilha elaborada pelo setor de comunicação sobre postura dos servidores do órgão nas redes sociais. O documento exige ‘cuidado redobrado’ dos agentes sobre o que publicam na internet porque eles também se tornam responsáveis pelas ‘consequências sobre estas informações’.
A nota técnica também amplia o conceito de ‘recinto da repartição’ para enquadrar punições que ocorram fora do ambiente físico do órgão. A justificativa é a realidade de trabalho remoto, imposto a alguns servidores em decorrência da pandemia do novo coronavírus.
“Por estas razões, deve-se admitir a ampliação do conceito de ‘recinto de repartição’ para além do seu espaço físico, devendo se estender aos ambientes virtuais externos onde se verifique a produção de atividade administrativa ou de assuntos relacionados a atividade ou à função do servidor”, apontou a CGU.
Em nota, a Controladoria-Geral da União afirma que as determinações são resultados de trabalho ‘estritamente técnico’ com base em manuais, recomendação da Defensoria Pública da União, provimento do Conselho Nacional de Justiça e um decreto sobre o código de ética do funcionalismo público.
“É importante esclarecer que a CGU não tem qualquer restrição à realização de críticas por parte dos agentes públicos. O que a CGU considera como passível de apuração disciplinar são aqueles atos que extrapolem os limites do razoável”, afirmou. “Repare que não se trata, em hipótese alguma, de censura ao servidor. A internet não é – e não pode ser – um território sem lei, em que o agente público possa veicular informações que comprometam a credibilidade das instituições”.
COM A PALAVRA, A CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO
Em relação à Nota Técnica nº 1.556/2020, a Controladoria-Geral da União (CGU) esclarece que o documento é fruto de um trabalho estritamente técnico da Corregedoria-Geral da União, órgão integrante da estrutura da Controladoria-Geral da União, e tem por base estudos doutrinários, manuais técnicos, legislação em vigor e orientações semelhantes de diversos órgãos públicos.
Dentre essas orientações, cite-se:
Recomendação nº 14, da Corregedoria-Geral da Defensoria Pública da União
Provimento nº 71, de 2018, do Conselho Nacional de Justiça
Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994 (Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal)
O trabalho da CGU ocorreu em razão de mudanças nas condições de trabalho recentes e dos avanços tecnológicos que vinham demandando análise sobre o alcance de alguns dispositivos da Lei nº 8.112/1990, que, se encontram, até certo ponto, superados pela evolução natural da sociedade e dos meios de comunicação. Um exemplo é o conceito de “recinto da repartição” contido no artigo 117, V, da Lei nº 8.112/1990, que veda ao servidor a realização de ato de apreço ou desapreço no “recinto da repartição”. No momento, em que grande parte dos servidores estão trabalhando à distância, fora do conceito geográfico de “recinto da repartição”, uma interpretação estrita desse dispositivo poderia terminar por dar margem a situações de franca impunidade.
Acrescente-se que essa era uma demanda já apresentada por vários órgãos de corregedoria.
É importante esclarecer que a CGU não tem qualquer restrição à realização de críticas por parte dos agentes públicos. O que a CGU considera como passível de apuração disciplinar são aqueles atos que extrapolem os limites do razoável.
Além disso, as orientações contidas na Nota Técnica questionada não se referem a eventual tratamento que deva ser dado a opiniões políticas ou sobre o governo por parte de algum agente público. O foco da Nota Técnica são questões interna corporis, relacionadas ao respeito e ao decoro que todos devem ter com questões que sempre possuem embasamento técnico.
Repare que não se trata, em hipótese alguma, de censura ao servidor. A internet não é – e não pode ser – um território sem lei, em que o agente público possa veicular informações que comprometam a credibilidade das instituições.
Quando assume um cargo ou emprego público, o agente se propõe a ser leal com a instituição a que serve. Não tem sentido ele assumir legalmente esse compromisso e, ao mesmo tempo, adotar ações que maculem a sua instituição. Eventuais críticas ou sugestões de melhoria de processos e fluxos podem – e devem – ser feitas, inclusive, nos canais oficiais.
A edição da Nota Técnica mencionada quis, apenas, deixar claro a interpretação dos artigos 116, II (ser leal às instituições a que servir), e art. 117, V (promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição), ambos da Lei nº 8.112/1990, para demonstrar que tais regras podem alcançar aquelas condutas de agentes públicos, realizadas em redes sociais, que tenham o objetivo de veicular informações que comprometam a credibilidade das instituições.
É importante observar ainda que o posicionamento contido na Nota é semelhante ao que vigora na própria iniciativa privada, com amparo em julgados do Tribunal Superior do Trabalho. A título de exemplo, observe nada impede que um empregado de algum veículo de comunicação possa externar posicionamento divergente do seu empregador de maneira respeitosa e decorosa. Críticas agressivas, contudo, obviamente, podem vir a ser objeto de questionamentos.
Cite-se jurisprudência sobre o assunto (AIRR 1649-53-2012.5.03.0007, da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, Relator: Ministro Douglas Alencar Rodrigues):
“A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho não proveu agravo de instrumento de uma operadora de caixa que pretendia reverter sua demissão por justa causa aplicada em razão de ofensas postadas pela empregada no Facebook contra a própria empresa e os clientes”1 (Grifo nosso).
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