Além da restrição ao uso de algemas, o presidente Jair Bolsonaro já concordou em vetar outros três pontos específicos do projeto de lei de abuso de autoridades, segundo apurou o Estado com auxiliares que acompanham as discussões no Palácio do Planalto. Estão na lista os trechos que tratam de prisão “em desconformidade com a lei”, de constrangimento a presos e o que pune criminalmente quem desrespeitar prerrogativas de advogados.
A aprovação na Câmara dos Deputados do projeto que endurece punição a juízes, procuradores e policiais, no dia 15 de agosto, provocou uma reação de parlamentares, entidades de classe e até do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que pressionam Bolsonaro a vetar trechos do texto. A medida é vista como uma reação do mundo político à Operação Lava Jato, pois dá margem para criminalizar condutas que têm sido praticadas em investigações no País.
Bolsonaro tem repetido que vai atender quase todos os pedidos de veto feitos pelo ministro da Justiça. “O Moro pediu dez (vetos). Nove já estão garantidos”, disse o presidente nesta segunda-feira, 2, saída do Palácio da Alvorada, pela manhã. Ele não revelou, no entanto, quais serão. O presidente tem até a quinta-feira, 5, para decidir quais artigos vai tentar derrubar no projeto.
O veto de maior consenso é o que trata do uso de algemas, quando o preso não oferece resistência à ação policial, que está previsto no artigo 17º. O presidente, segundo auxiliares, já decidiu vetar também o artigo 9º, que prevê punição ao agente público (policial, procurador ou juiz, por exemplo) que prender alguém em “desconformidade com hipóteses legais”.
Defensores da derrubada deste item argumentam que o projeto não descreve quais parâmetros podem ser considerados como “desconformidade” para sua aplicação, abrindo margem para punir interpretações de magistrados.
Outro artigo em que já há consenso no Palácio do Planalto para cair é o 13º, que trata do “constrangimento de preso ou detento com violência, grave ameaça ou redução da capacidade de resistência”. O argumento é também a subjetividade do tema, que pode prejudicar o trabalho policial.
Na lista dos vetos presidenciais também está o artigo 43º, que prevê punição criminal para a autoridade que desrespeitar prerrogativas de advogados, como poder falar com seu cliente em particular, ser atendido pelo magistrado e ter acesso à íntegra dos processos.
As dúvidas do Ministério da Justiça
O inciso terceiro do artigo 4º, que trata da perda do cargo como resultado da condenação, também poderá ser vetado, mas ainda há ponderações feitas pelo Ministério da Justiça que estão sendo avaliadas, de acordo com um auxiliar próximo a Bolsonaro.
É o caso também do artigo 16º, que estabelece pena de seis meses a dois anos de detenção para a autoridade que deixar de se identificar durante uma prisão. No Planalto, um dos envolvidos na discussão lembrou que essa identificação pode atrapalhar missões específicas de investigadores e expor policiais de grupos de elite, como os grupos de operações especiais.
Não está decidido ainda o que o presidente vai anunciar em relação ao artigo 25º do projeto, que fala na obtenção de prova por meio ilícito, já que o artigo incluiu o uso da evidência com prévio conhecimento da ilicitude. Da mesma forma, ainda em fase de discussão está os artigos 26º - indução de flagrantes – e o 30º - sobre investigações sem causa fundamentada ou contra inocente.
Relator do projeto preparou parecer para orientar parlamentares
Conforme mostrou o Estado na semana passada, o relator da proposta na Câmara, deputado Ricardo Barros (PL-PR), preparou um parecer para orientar os parlamentares a rebater os argumentos em defesa dos vetos. Ele disse concordar, porém, com ao menos um deles: o que trata sobre algemas.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sinalizou, na semana passada, que os vetos do presidente que os deputados não concordarem podem ser derrubados no Congresso posteriormente.
Os artigos que devem ser vetados por Bolsonaro
PRISÃO EM ‘DESCONFORMIDADE COM A LEI’ (Art. 9º)
O artigo prevê punição detenção 1 a 4 anos de prisão para quem decretar a prisão ou deixar de conceder liberdade em “manifesta desconformidade com a lei”. A justificativa para o veto é de que o projeto não descreve quais parâmetros podem ser considerados para sua aplicação. Magistrados reclamam que, caso entre em vigor, perderão perder sua discricionariedade ao adotar ações de acordo com a necessidade do caso.
CONSTRANGIMENTO A PRESOS (Art. 13º)
A proposta prevê punir com detenção de 1 a 4 anos o agente público que promover “constrangimento de preso ou detento com violência, grave ameaça ou redução da capacidade de resistência”. Em parecer, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado pelo ministro Sérgio Moro, aponta forte carga subjetiva no artigo, capaz de prejudicar o exercício da atividade policial. Esse é o caso, por exemplo, do recurso à expressão “redução de sua capacidade de resistência”.
RESTRIÇÕES AO USO DE ALGEMAS (Art. 17º)
A regra aprovada na Câmara prevê que caso um agente público submeta um preso ao uso de algemas quando “manifestamente não houver resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso”, pode ser punido com detenção de até 2 anos, podendo ter a pena dobrada caso envolva menor de 18 anos, grávida ou ocorra dentro de uma penitenciária. O artigo provocou forte oposição de parlamentares ligados à área de segurança pública, pois foi vista como uma restrição ao trabalho de policiais. Eles argumentam que a necessidade, ou não, do uso de algemas depende da avaliação policial no momento da operação e leva em consideração, entre outros, questões ambientais, força física, existência de reforço policial, probabilidade de ataque, entre outros fatores. Já há consenso na Câmara e no Planalto de que este artigo deve ser vetado.
PRERROGATIVAS DE ADVOGADOS (Art. 43º)
O artigo torna crime, punível com até um ano de detenção, a violação de prerrogativas de advogados (como poder falar com seu cliente em particular, ser atendido pelo magistrado e ter acesso à íntegra dos processos). Atualmente, o desrespeito a um desses direitos da defesa é punido apenas administrativamente.
Os artigos que ainda estão em análise
FALTA DE IDENTIFICAÇÃO DO AGENTE PÚBLICO (Art. 16º)
No caso do artigo 16, que estabelece pena de seis meses a dois anos de detenção para a autoridade que deixar de se identificar ou identificar-se falsamente durante a prisão ou interrogatório, é outro que está na mira para ser vetado. No Planalto, um dos envolvidos na discussão lembrou que essa identificação pode atrapalhar missões específicas das polícias e expor policiais de grupos de elite, como os grupos de operações especiais.
PERDA DO CARGO POR ABUSO DE AUTORIDADE (Art.4º)
A questão está relacionada a uma das punições previstas na lei. O inciso terceiro do artigo quarto, prevê a perda do cargo como resultado da condenação por abuso de autoridade. O trecho também poderá ser vetado, mas ainda há ponderações feitas pelo Ministério da Justiça que estão sendo avaliadas. A deputada Bia Kicis (PSL-DF), por exemplo, aponta que a punição é excessiva.
OBTENÇÃO DE PROVA POR MEIO ILÍCITO (Art. 25º)
O artigo prevê punição ao agente público (como policiais e procuradores) que obtiver prova por meio ilícito. Ainda há uma discussão sobre a previsão, incluída no projeto, de estender a punição a quem usar a evidência com prévio conhecimento da ilegalidade.
INDUZIR UM FLAGRANTE (Art. 26º)
Outro possível veto em análise se refere ao trecho que prevê detenção de 1 a 4 anos para a autoridade que induzir ou instigar pessoa a praticar crime com o fim de prendê-la em flagrante.
INVESTIGAÇÃO SEM CAUSA FUNDAMENTADA (Art. 30)
A proposta aprovada pelos deputados prevê punir com até 4 anos de detenção o agente público que iniciar uma investigação sem uma causa fundamentada ou contra inocente. O argumento enviado ao Palácio do Planalto pelo Ministério da Justiça em defesa do veto é de que o Código Penal já prevê punição à “denunciação caluniosa”. Portanto, a nova regra seria desnecessária.
NEGAR ACESSO A PROCESSOS A ADVOGADOS (Art.32)
O artigo trata como atitude passível de detenção negar acesso a autos de investigação, sejam elas preliminares ou avançadas, com exceção sobre documentos relativos a diligências em curso. Neste caso, a equipe de Bolsonaro ainda avalia se haverá ou não o veto.
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