A 1.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo arquivou procedimento administrativo da Secretaria da Fazenda contra um fiscal de Rendas que denunciou ao Ministério Público Estadual de São Paulo irregularidades na pasta que levaram à deflagração da Operação Zinabre, que mirou a Máfia do ICMS.
Veja acórdão na íntegra aqui
Por ter enviado documentos à Promotoria, Henrique Poli passou a ser alvo de uma investigação na Corregedoria de Fiscalização Tributária sob suspeita de quebra de sigilo de documentos da Fazenda.
Para os desembargadores, no entanto, ele teve conduta ‘irrepreensível’ e ajudou a desmontar um esquema criminoso que movimentou milhões em propinas.
Segundo a investigação da Operação Zinabre, os fiscais suspeitos de integrar a máfia do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) fizeram seis extorsões contra uma empresa de cabos e sistemas de energia nas filiais de Sorocaba, Jacareí e Santo André e receberam cerca de R$ 17 milhões em propina entre os anos de 2006 e 2013.
A empresa é considerada vítima e é assistente de acusação no processo. Atualmente, 12 estão no banco dos réus pelos supostos esquemas. Um dos fiscais denunciado por Poli à Promotoria se exonerou do cargo, mas ainda é investigado.
Henrique Poli enviou ao Ministério Público dados que contribuíram para as investigações. Em 2016, a Secretaria da Fazenda abriu contra ele uma investigação interna sobre o suposto acesso e compartilhamento indevido de dados sigilosos de maneira indevida.
Contra o procedimento, que poderia levá-lo à demissão a bem do serviço público, o servidor impetrou mandado de segurança na Justiça de São Paulo.
Em primeira instância, a juíza Lais Helena Bresser Lang, da 2.ª Vara da Fazenda negou o pedido. A situação foi revertida em julgamento de recurso no Tribunal de Justiça no último dia 9.
AS RAZÕES DE TOKESHI
Nos autos, o ex-secretário da Fazenda Helcio Tokeshi defendeu a regularidade do Processo Administrativo aberto pela Corregedoria. Ele afirmou que ‘outros servidores poderão sentir-se encorajados a lançar mão de práticas similares, envolvendo quebra de sigilo fiscal e funcional’.
Segundo o ex-chefe da pasta, ‘as pessoas físicas e jurídicas que descobrirem que seus dados fiscais foram devassados por servidores responsáveis pela guarda de tais informações, sem autorização legal, fatalmente demandarão a Fazenda Pública em busca de reparação’.
O VOTO DO RELATOR
Para o relator do caso no Tribunal de Justiça, desembargador Rubens Rihl, ‘a discussão sobre o sigilo dos documentos compartilhados se mostra irrelevante para o deslinde do feito, na medida em que o envio dos dados ao Ministério Público teve como motivação a prática de atos ilícitos por Agentes Fiscais de Rendas’.
“De maneira que, mesmo que se reputassem sigilosos os documentos compartilhados pelo sr. Henrique, o caso em tela impõe aos operadores do direito o exercício de ponderação entre os bens jurídicos protegidos pelo sigilo dos documentos e o interesse público subjacente à apuração de condutas criminosas praticadas por servidores do Estado”, escreve.
O magistrado ressaltou que ‘não se desconhece o fato de que a Legislação tributária impõe sigilo às “informações obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”’. “O que se justifica pela necessidade de proteção à garantia de privacidade e dos direitos da personalidade que podem vir a ser violados quando da exposição de dados obtidos na atividade do Fisco”.
“No entanto, tal sigilo não é absoluto. Isso porque, “a regra é o respeito ao sigilo, sendo exceção a sua quebra, em face de circunstâncias que justifiquem a atribuição de maior peso aos princípios que justificam a fiscalização que aos que protegem a intimidade do fiscalizado” (Segundo, Hugo de Brito Machado. Processo Tributário. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.88)”, anotou.
Para Rihl, em ‘circunstâncias especiais o sigilo fiscal pode ser relativizado, desde que os bens jurídicos que se pretenda tutelar com tal relativização devam prevalecer, em um juízo de ponderação, em face daqueles que justificam essa restrição à informação’.
O desembargador ainda diz que ‘o juízo de ponderação operado pelo sr. Henrique Poli Júnior visou atender aos interesses da coletividade, com o intento de assegurar a efetividade da tutela penal de proteção à tributação e o interesse público subjacente ao exercício da pretensão punitiva do Estado ante a prática de condutas criminosas’.
“Não seria razoável, nessa medida, reputar como ímproba a atitude de um servidor público que, constatando a prática de atos ilícitos, buscou os meios que estavam ao seu alcance para garantir que os infratores fossem responsabilizados. Pelo contrário, a atuação do
sr. Henrique demonstrou seu zelo pela coisa pública e inquestionável probidade em sua atuação profissional”, escreveu.
O magistrado ressaltou que ‘não pode ser ignorada a magnitude dos fatos apurados em decorrência do encaminhamento dos documentos’. “Visto que, em razão da conduta irrepreensível do Sr. Henrique Poli Júnior, foi possível a deflagração da Operação Zinabre, que, por sua vez ensejou a apresentação de denúncias contra doze Agentes Fiscais de Receita e a descoberta de um esquema criminoso que movimentava milhões de reais em propinas”.
“Sem contar, nos valores que deixaram de ser arrecadados pelo Fisco e poderão ser alvo de ações para recuperação da arrecadação pela Fazenda Pública”, anotou.
Para o desembargador, ‘por restar demonstrada a completa ausência, independentemente do prosseguimento das apurações, de improbidade na autuação do Impetrante não se reputa devidamente demonstrada a justa causa para a instauração do PAD, sendo seu trancamento medida que se impõe’.
COM A PALAVRA, HENRIQUE POLI
“Fui acusado de quebra de sigilo funcional em ato definido por crime contra a administração pública, estando eu sujeito à demissão a bem do serviço público. Inicialmente imaginei que aquilo era uma enorme sandice, algo que não prosperaria, pois carecia de fundamentação legal e de provas. Entretanto, no decorrer do procedimento, ao constatar que as manifestações apresentadas em minha defesa eram reiteradamente respondidas com base em argumentos precários e improcedentes, pude perceber claramente que as chances de eu vir a ser demitido a bem do serviço público eram de fato reais. Desta forma, não me restou alternativa que não fosse recorrer ao Poder Judiciário.
“A decisão da 1.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça me trouxe um alívio indescritível e espero que tenha colocado fim às perseguições que me assolaram por quase 3 anos. O acórdão proferido com brilhantismo pelos Desembargadores demonstrou o quão era insubsistente a tese defendida pela Corregedoria da Fiscalização Tributária e certamente poderá ser utilizado na defesa de servidores que porventura vierem a sofrer perseguições pelo mesmo motivo que eu. Por fim, resta-me prestar sinceros agradecimentos aos meus advogados por terem me defendido de maneira tão obstinada e aguerrida e também aos colegas que me apoiaram e foram solidários comigo.”
COM A PALAVRA, A ADVOGADA NEIVA FABIANO GIANEZI, QUE DEFENDE HENRIQUE POLI
“O processo administrativo disciplinar – PAD foi instaurado pela Corregedoria da Fiscalização da Secretaria da Fazenda contra o nosso cliente, sujeitando-o à pena de demissão a bem do serviço público, pela acusação de que ele teria acessado e divulgado dados sigilosos de uma ordem de serviço de fiscalização executada numa empresa há alguns anos atrás, sendo que esses dados teriam chegado ao conhecimento do Ministério Público e servido de ponto de partida para o que veio a ser a denominada ‘Operação Zinabre’, investigação e ação penal que apura o cometimento de crimes contra o Estado de São Paulo por parte de vários auditores da Secretaria da Fazenda.”
“Provamos no mandado de segurança que os dados da ordem de serviço de fiscalização já executada não são protegidos por sigilo, e não havendo o sigilo não existe a imprescindível justa causa para a instauração do PAD contra o servidor.”
“A decisão do Tribunal de Justiça que determinou o trancamento do PAD é paradigmática porque apreciou a questão de forma até bem mais ampla, entendendo que mesmo que houvesse o sigilo dos dados a defesa do interesse público é o bem maior a ser protegido e o servidor público tem, acima de tudo, o dever de levar ao conhecimento da autoridade competente indícios de prática de supostos atos irregulares no âmbito da administração.”
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