O juiz Sérgio Moro disse em entrevista ao Estadão, que seria “lamentável” se o Supremo Tribunal Federal (STF) revisse o próprio entendimento de seus ministros, do ano passado, que autoriza prisão de condenados em segundo grau judicial. Para ele, “executar a condenação, no Brasil, após decisão da Corte de Apelação, não fere a presunção de inocência”.
Na quarta-feira (23), Moro mandou prender dois condenados que perderam recursos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Essa decisão, amparada em ordem do tribunal, reacendeu a polêmica sobre as prisões da segunda instância, que é antes do trânsito em julgado, porque ministros da Corte máxima admitem a possibilidade de rever seu entendimento, como é o caso de Gilmar Mendes, que nos últimos dias mandou soltar vários empresários, dentre eles, Jacob Barata Filho, o ‘rei dos ônibus’.
Ao falar sobre o fato de mandar prender e Gilmar mandar soltar os presos, Moro enfatizou: “não penso que as questões devem ser tratadas a nível pessoal, mas institucional. Respeito o ministro Gilmar Mendes e espero que, ao final, ele, pensando na construção da rule of law, mantenha o precedente que ele mesmo ajudou a construir.”
- Foto: José Carlos Daves/Futura Press/Estadão ConteúdoSergio Moro
“A Lava Jato não é uma guerra, mas, assim como outros processos anteriores, como a Ação Penal 470 (mensalão), representa uma exceção à impunidade de crimes de poderosos. Foi o próprio TRF4 quem ordenou as prisões, após a confirmação de condenação por crimes de lavagem de cerca de dezoito milhões de reais, tendo por antecedente corrupção. Apenas segui uma ordem, embora com ela concorde integralmente. Significa, na prática, que talvez, e eu dou ênfase ao talvez, a era da impunidade dos barões da corrupção esteja chegando ao fim”, afirmou.
Moro disse ainda que a presunção de inocência é um escudo. “A presunção de inocência é um escudo contra uma punição indevida. Exige que uma condenação criminal seja baseada em prova categórica. Na França e nos Estados Unidos, após o julgamento em primeira instância, já se inicia a execução da pena, com prisão, como regra. Então, executar a condenação, no Brasil, após a decisão da Corte de Apelação, não fere a presunção de inocência. O Supremo adotou esse entendimento em 2016 a partir de um julgamento conduzido pelo ministro Teori Zavascki. Fechou uma grande janela de impunidade e, embora o trabalho do ministro tenha sido notável em outras áreas, penso que foi esse o seu grande legado. Representou uma mudança geral no sentido do fim da impunidade dos poderosos e na construção de um governo de leis no Brasil. Reputo prematura a afirmação de que o Supremo irá reverter o precedente do ministro Teori. Enquanto não houver decisão, ministros podem mudar sua posição e há grandes ministros no Supremo, como, para ficar somente em dois exemplos, o ministro Celso de Mello e a ministra Rosa Weber, que têm demonstrado preocupação com o nível de corrupção descoberto. Com todo o respeito ao Supremo, seria, no entanto, lamentável se isso ocorresse”, completou.
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