*Por Arthur Teixeira Júnior
Iris, minha ex secretária, não veio trabalhar na segunda feira. Como a tragédia nunca vem só, no dia anterior eu havia esquecido o telefone na cozinha e, ao deitar, a cadeira de rodas afastou-se da cama, ficando inalcançável. Embora eu ocupe o cômodo frontal da casa, a porta da rua estava fechada. Passei o dia todo deitado compulsoriamente, faminto, sedento, urinando debaixo da cama. Não havia como pedir socorro. Somente às seis da tarde fui resgatado por um colega que veio visitar-me.
Depois de trocar de auxiliar, resolvi não mais fechar a porta da rua, mantendo-a aberta durante todo o dia. Isto me dá mais segurança (por incrível que pareça), mas trás alguns inconvenientes.
Rafael passa logo cedo e, vendo a porta aberta e como quem não quer nada, faz qualquer observação genérica. Seja qual for a resposta, qualquer que seja o assunto ventilado, ele, com extrema habilidade, dirige a conversa para comentar sua mentirosa aventura sexual da noite anterior. Lembra-me um colega militar motorista na Repartição. Comentei que minha perna doeu durante a noite inteira e alguns pontos estavam supurando. “_Pois é,” – respondeu – “Mas assim que você melhorar, vou te apresentar duas meninas com quem saí ontem ...” – e emendou uma fantástica estória recheada de aventuras sexuais mirabolantes e atléticas, cujos detalhes omitirei.
Desde cedo, minha porta torna-se parada obrigatória de todas as espécies de vendedores ambulantes, ofertando panos de prato, tele senas, peixe seco, limão galego, panelas, travesseiros bordados, enfim, reflexos da crise. Reflexo também caracterizado pela enorme quantidade de pedintes, alguns específicos, pedindo dinheiro para inteirar um remédio (geralmente portam um papel velho e amarrotado nas mãos, “a receita”), uma passagem de ônibus, uma merenda, o material escolar do filho, uma rifa beneficiente.
Por volta do meio dia, começam a surgir aqueles que vem pedir algo para comer. Prevenido, tenho vários pacotes de “nissim” ao alcance, que vou distribuindo e imaginando como cada um irá cozê-los. A um, ia ofertar o bife que Silvinha (minha nova auxiliar) fritou para o meu almoço, mas temi que o pedinte ficasse revoltado, ofendido, invadisse minha sala e fizesse-me engolir a oferta, o que seria trágico. Não que Silvinha cozinhe mal. Digamos que ela não foi muito feliz naquele preparo.
O Sr. Ribeiro diariamente vem à minha porta fazer uma leitura bíblica, a plenos pulmões, como se falasse para uma multidão. Ele tem a plena convicção que irá fazer uma evangelização apoteótica em minha pessoa, que colocará no esquecimento aquela de Saulo a caminho de Damasco (Atos, 9).
Ontem, senti-me vingado. Sob a manchete “um dia de fúria”, um telejornal local relatou que um motorista que teve seu veículo “trancado” no estacionamento diante de uma clínica médica, muniu-se com uma barra de ferro e arrebentou o veículo trancador. Muitíssimo bem feito. Todo meu apoio e solidariedade. Não tem cabimento nenhum motorista fechar deliberadamente, e por qualquer espaço de tempo, a saída de outro veículo, sob qualquer argumento. A autoridade policial entrevistada, na mesma reportagem, defendeu que a atitude correta seria que o motorista prejudicado acionasse o STRANS e aguardasse o reboque. Estaria aguardando até agora...
O veículo trancador era um Kia Cerato, novinho em folha, e o trancado um Chevette 82. “A condutora do Cerato estacionou na rua e atrás do Chevette. Ela falou ao segurança que não demoraria, mas passou mais de 30 minutos lá dentro. O senhor então saiu e não contou estória, começou a quebrar o outro carro que o trancava", relatou uma testemunha. Também, foi duas vezes idiota. Primeiro quando trancou outro carro, e segundo porque este carro era um Chevette 82. Queria o quê? Que o dono do Chevette fosse um educado ancião de terno e gravata, portando sua maletinha de executivo, que vendo sua saída obstruída, fosse procura-la para pedir polidamente que ela retirasse o veículo. Ela certamente empinaria o nariz, se recusaria a fazê-lo, alegaria ser esposa de um figurão qualquer e daria “uma banana” em resposta. Trancar um Chevette 82 é pedir e gostar de apanhar! Mais uma vez, muito bem feito!
Alguém sabe aí como surgiu a expressão “dar uma banana” (gesto com o punho direito erguido e fechado, em riste, em direção ao oponente, geralmente acompanhado por expressões como “aqui para você, ó”)? Eu conto: O gesto era comum entre os imigrantes italianos que, no século passado, fixaram residência em alguns bairros paulistanos (Brás, Moóca, Bexiga e outros). Era quase como um chamamento à briga ou o fim litigioso de uma conversa. Tinha um caráter ofensivo, fálico, e representava o órgão genital masculino, ereto. Conta-se que uma jovem e ingênua noviça testemunhou um confronto desta natureza e, dirigindo-se às freiras que a escoltavam, arguiu o que estaria sendo ofertado. “_Uma banana!” – berrou de pronto a madre superiora, esbaforida, inibindo qualquer outra explicação. Daí, este gesto obsceno, passou a significar uma singela oferta frutífera.
Semana que vem eu conto qual a contribuição do Vasco da Gama para o fraseado popular brasileiro, já que para o futebol ...
Quarta feira, o Congresso Nacional derruba o veto. A Silvinha acerta no sal do arroz. A Rosana publica os contratos. E o Sr. Ribeiro vai ficar rouco. Um dia para ficar na história (esta com “h”)!
*Arthur Teixeira Júnior é colaborador
Iris, minha ex secretária, não veio trabalhar na segunda feira. Como a tragédia nunca vem só, no dia anterior eu havia esquecido o telefone na cozinha e, ao deitar, a cadeira de rodas afastou-se da cama, ficando inalcançável. Embora eu ocupe o cômodo frontal da casa, a porta da rua estava fechada. Passei o dia todo deitado compulsoriamente, faminto, sedento, urinando debaixo da cama. Não havia como pedir socorro. Somente às seis da tarde fui resgatado por um colega que veio visitar-me.
Depois de trocar de auxiliar, resolvi não mais fechar a porta da rua, mantendo-a aberta durante todo o dia. Isto me dá mais segurança (por incrível que pareça), mas trás alguns inconvenientes.
Imagem: GP1Arthur Teixeira Júnior
Rafael passa logo cedo e, vendo a porta aberta e como quem não quer nada, faz qualquer observação genérica. Seja qual for a resposta, qualquer que seja o assunto ventilado, ele, com extrema habilidade, dirige a conversa para comentar sua mentirosa aventura sexual da noite anterior. Lembra-me um colega militar motorista na Repartição. Comentei que minha perna doeu durante a noite inteira e alguns pontos estavam supurando. “_Pois é,” – respondeu – “Mas assim que você melhorar, vou te apresentar duas meninas com quem saí ontem ...” – e emendou uma fantástica estória recheada de aventuras sexuais mirabolantes e atléticas, cujos detalhes omitirei.
Desde cedo, minha porta torna-se parada obrigatória de todas as espécies de vendedores ambulantes, ofertando panos de prato, tele senas, peixe seco, limão galego, panelas, travesseiros bordados, enfim, reflexos da crise. Reflexo também caracterizado pela enorme quantidade de pedintes, alguns específicos, pedindo dinheiro para inteirar um remédio (geralmente portam um papel velho e amarrotado nas mãos, “a receita”), uma passagem de ônibus, uma merenda, o material escolar do filho, uma rifa beneficiente.
Por volta do meio dia, começam a surgir aqueles que vem pedir algo para comer. Prevenido, tenho vários pacotes de “nissim” ao alcance, que vou distribuindo e imaginando como cada um irá cozê-los. A um, ia ofertar o bife que Silvinha (minha nova auxiliar) fritou para o meu almoço, mas temi que o pedinte ficasse revoltado, ofendido, invadisse minha sala e fizesse-me engolir a oferta, o que seria trágico. Não que Silvinha cozinhe mal. Digamos que ela não foi muito feliz naquele preparo.
O Sr. Ribeiro diariamente vem à minha porta fazer uma leitura bíblica, a plenos pulmões, como se falasse para uma multidão. Ele tem a plena convicção que irá fazer uma evangelização apoteótica em minha pessoa, que colocará no esquecimento aquela de Saulo a caminho de Damasco (Atos, 9).
Ontem, senti-me vingado. Sob a manchete “um dia de fúria”, um telejornal local relatou que um motorista que teve seu veículo “trancado” no estacionamento diante de uma clínica médica, muniu-se com uma barra de ferro e arrebentou o veículo trancador. Muitíssimo bem feito. Todo meu apoio e solidariedade. Não tem cabimento nenhum motorista fechar deliberadamente, e por qualquer espaço de tempo, a saída de outro veículo, sob qualquer argumento. A autoridade policial entrevistada, na mesma reportagem, defendeu que a atitude correta seria que o motorista prejudicado acionasse o STRANS e aguardasse o reboque. Estaria aguardando até agora...
O veículo trancador era um Kia Cerato, novinho em folha, e o trancado um Chevette 82. “A condutora do Cerato estacionou na rua e atrás do Chevette. Ela falou ao segurança que não demoraria, mas passou mais de 30 minutos lá dentro. O senhor então saiu e não contou estória, começou a quebrar o outro carro que o trancava", relatou uma testemunha. Também, foi duas vezes idiota. Primeiro quando trancou outro carro, e segundo porque este carro era um Chevette 82. Queria o quê? Que o dono do Chevette fosse um educado ancião de terno e gravata, portando sua maletinha de executivo, que vendo sua saída obstruída, fosse procura-la para pedir polidamente que ela retirasse o veículo. Ela certamente empinaria o nariz, se recusaria a fazê-lo, alegaria ser esposa de um figurão qualquer e daria “uma banana” em resposta. Trancar um Chevette 82 é pedir e gostar de apanhar! Mais uma vez, muito bem feito!
Alguém sabe aí como surgiu a expressão “dar uma banana” (gesto com o punho direito erguido e fechado, em riste, em direção ao oponente, geralmente acompanhado por expressões como “aqui para você, ó”)? Eu conto: O gesto era comum entre os imigrantes italianos que, no século passado, fixaram residência em alguns bairros paulistanos (Brás, Moóca, Bexiga e outros). Era quase como um chamamento à briga ou o fim litigioso de uma conversa. Tinha um caráter ofensivo, fálico, e representava o órgão genital masculino, ereto. Conta-se que uma jovem e ingênua noviça testemunhou um confronto desta natureza e, dirigindo-se às freiras que a escoltavam, arguiu o que estaria sendo ofertado. “_Uma banana!” – berrou de pronto a madre superiora, esbaforida, inibindo qualquer outra explicação. Daí, este gesto obsceno, passou a significar uma singela oferta frutífera.
Semana que vem eu conto qual a contribuição do Vasco da Gama para o fraseado popular brasileiro, já que para o futebol ...
Quarta feira, o Congresso Nacional derruba o veto. A Silvinha acerta no sal do arroz. A Rosana publica os contratos. E o Sr. Ribeiro vai ficar rouco. Um dia para ficar na história (esta com “h”)!
*Arthur Teixeira Júnior é colaborador
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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