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*Deusval Lacerda de Moraes

Imagem: Divulgação/GP1Clique para ampliarDeusval Lacerda de Moraes (Imagem:Divulgação/GP1)Deusval Lacerda de Moraes
Dizem que quando um pai de família perde o controle da sua casa é porque a família vai mal. E quando uma governante estranha certos atos do seu governo, o que está acontecendo? Por analogia, o governo também não vai bem. É o que está ocorrendo no Piauí. No plano político, depois do abandono do senador Wellington Dias (PT), o governo perdeu seu lastro eleitoral. No plano administrativo, a coisa não está diferente, pois o governador acabou de cancelar pregão eletrônico que destinava R$ 6.398.337,96 para compra de mantimentos e material de higiene e limpeza para a residência oficial do mandatário e o Palácio de Karnak (Jornal Diário do Povo de 27 de agosto de 2013).

Os lotes do pregão seriam para aquisição de frios, carnes, bebidas, gênero alimentício, material de limpeza e higiene, frutas e verduras e bolos e salgados. A lista de compras para a residência oficial e o Palácio de Karnak tem desde fressura de carneiro e lagosta, a hidratante para o corpo. E o governo teve o desplante de dizer no edital: “É imprescindível, portanto, o adequado fornecimento para fazer frente às necessidades de consumo, em obediência aos pressupostos de garantia, qualidade e economicidade nas aquisições” (Jornal Diário do Povo de 26 de agosto de 2013).

Em meio a tamanho descalabro tal fato repercutiria na mídia nacional, e por isso a reportagem de Juliana Castro no Jornal O Globo de 27 de agosto de 2013 com o título: “Reparador de pontas de cabelo e gel esfoliante por R$ 6,3 milhões”. Diz ainda o trecho da matéria: “Terceiro estado com pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em 2010, atrás apenas de Maranhão e Alagoas, o Piauí estava disposto a pagar R$ 101,2 mil pelo fornecimento atual de quatro tipos de camarão, R$ 65,5 mil pela picanha e R$ 16,6 mil pela aquisição de chicletes e pastilhas de hortelã para o ano todo”.

O Jornal do Rio de Janeiro em outro trecho diz: “Na parte de higiene pessoal, o governo pagaria até R$ 85,41 por 500 ml de shampoo e R$143,92 por 500 ml de máscara para cabelo, ambas da marca L’Oreal. Para o reparador de pontas, o valor estimado era de R$ 113,87 por unidade. Pelo fornecimento desses três produtos durante um ano, a administração estadual pagaria com dinheiro público até R$ 32,9 mil”.

Mas a Coordenadoria de Comunicação do Governo informou: “O governador Wilson Martins, assim que tomou conhecimento dos itens, cancelou a licitação e determinou uma reavaliação da lista, que repetia as licitações de governos anteriores”. A nota oficial possui várias incongruências. Na expressão “O governador Wilson Martins, assim que tomou conhecimento dos itens”. E o governador não sabia da licitação? Nem do valor do repassa para as despesas da residência oficial e do local de trabalho? Diz ainda a nota: “cancelou a licitação”. Claro, só a cancelou por causa do escândalo. E, por fim, diz: “que repetia as licitações de governos anteriores”. Cada governo assume suas próprias responsabilidades, que são regidas por um conjunto de normas legais, morais, éticas e dos bons costumes. O governo ao iniciar-se tem a obrigação de seguir os regramentos vigentes, sendo, portanto, anuláveis as anomalias dos governos anteriores.

É bom lembrar que, no Brasil, licitar é selecionar a melhor proposta para a Administração Pública, com a observância do princípio da isonomia. E não é demais lembrar o que ensina o jurista uspiano Marçal Justen Filho, no seu livro Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a vantagem se caracteriza com a adequação e satisfação do interesse coletivo por via da execução do contrato. A maior vantagem se apresenta quando a Administração assume o dever de realizar a contratação menos onerosa e o particular se obriga a realizar a melhor e mais completa prestação, configurando-se, portanto, uma relação custo-benefício. A maior vantagem corresponde à situação de menor custo e maior satisfação para a Administração.

Nunca justificaria o erário público pagar a conta sem sopesar os gastos envolvidos, principalmente das despesas domésticas. Os gastos apresentados no pregão se tratam de valores expressivos que se têm notícias nos esbanjamentos dos reinos bíblicos, como na corte de Herodes na Judeia e, mais recente, no fausto de rei francês Luís XV. Nos tempos atuais, e num estado pobre como o Piauí, não faz sentido tamanha exorbitância, em povo cuja maioria tem apenas o trivial para se alimentar, o popular feijão com arroz. E sendo governante do semiárido, pior ainda, era para dar exemplo de austeridade e frugalidade até nas despesas da família.

Vê-se que esbanjamento é marca de quem quer o poder absoluto. Foi assim nos soberanos passados, e será com quem não tem a democracia como idealismo, por não prevalecer os desejos, anseios, vontades, pretensões, aspirações e decisões da maioria em favorecimento da minoria e, sobretudo, os arroubos individuais, grupais e familiares. Pois o que está sendo chamado de “supermercado do Karnak” é acinte aos piauienses. E o governante, como se a farra não fosse para o seu deleite e dos seus, diz: “Agradeço a imprensa pelo alerta, eu não como chiclete, nem lagosta”. E assim vai saindo pela tangente, como se não viesse se refestelando em lauta mesa oficial, chegando a constar na lista até a famosa água mineral francesa Perrier. Haja descaso com o Piauí.


*Deusval Lacerda de Moraes
Pós-Graduado em Direito

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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