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Gilberto Rodrigues *

Nos subterrâneos de Londres, as galerias pluviais escondem uma cidade soturna. Desconhecidas, silenciosas, resignadas, as águas que por ali escoam passam ignoradas pelo público, pela mídia e pelos políticos. É como se fosse uma cidade invisível; ali se vive, ali se dorme, ali se morre. Subitamente,esse coletivo underground emergiu feroz na última semana, causando saques, violência e perplexidade.

Hoje, milhares de jovens, incluindo os da classe média britânica, vivem nessas galerias de exclusão social, sem esperança de ver o sol, sem a certeza de que poderão um dia circular como cidadãos inteiros, profissionais, trabalhadores.

A morte do jovem Mark Duggam, no bairro londrino de Tottenham, foi oestopim da explosão social que sacudiu a cidade durante quatro dias e gerou a detenção de perto de duas mil pessoas. Dada a proporção, os distúrbios causaram atritos no próprio governo: o primeiro ministro David Cameron criticou a polícia, insinuando-ainoperante; esta se defendeu, afirmando ter agido na hora certa, com o calibre adequado.

O perfil dessas massas que se dedicaram a saques frenéticos incluiu crianças, donas de casa e pessoas sem nenhuma ficha corrida na polícia. A tese de que se tratava de criminosos, de foras da lei, nem bem decolou dos escritórios da polícia e dos gabinetes ministeriais e teve de fazer pouso forçado no solo da realidade.

Cameron tentou explicar o problema no âmbito moral, exortando os pais a educarem e controlarem seus filhos em casa. Chega a ser patético o apelo doprimeiro ministro. O fato não se explica nem pela moral familiar nem pela criminologia. Trata-se de um fenômeno social vinculado à falta estrutural de emprego e de cobertura social do Estado. Sem perspectiva de trabalho formal, vivendo de bicos, às vezes ilegais, mas sentindo que a desigualdade socioeconômica aumenta, esses jovens britânicos tiveram o seu momento de basta! - à maneira de seus contemporâneos na Tunísia, Egito, Líbia e Síria.

A entrada de Londres nesse circuito de protestos é talvez um sinal de que se está diante de um fenômeno global, não confinado ao mundo árabe, masconectado ao capitalismo em crise. Um sinal de que as galerias de cima – do luxo, da fartura e do consumismo – não ficarão incólumes sem uma solução de democracia social, inclusiva.

*Gilberto Rodrigues é professor do curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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