Fernando Capez*
Estudos recentes formulados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre violência apontam que grande parte dos lares brasileiros, cerca de 35,7%, possui grade em portas ou janelas.
Essa pesquisa demonstra uma triste face da realidade social: os brasileiros estão se tornando prisioneiros em seus próprios lares. Temerosos e acuados, abandonaram os espaços públicos e passaram a construir verdadeiras “fortalezas” visando à sua proteção pessoal.
É o individualismo assumindo a sua forma mais sombria, pois traz a ideia de que o cidadão necessita viver isolado, desconectado do restante da sociedade, como se dela não participasse, com deletérios efeitos para a democracia, porquanto afasta o indivíduo dos espaços públicos, da convivência coletiva e do verdadeiro sentido do bem-estar social. Como, então, romper esse paradigma?
A mera adoção de medidas emergenciais, como a promulgação de leis mais severas, isoladamente, não possui o condão de trazer a tão sonhada sensação de segurança, emergindo a necessidade de o cidadão sair do refúgio de seus lares e se convolar em artífice dos processos de transformação social.
As bases comunitárias e os Conselhos Comunitários de Segurança (CONSEGs) são os maiores exemplos disso. A experiência do fortalecimento dos laços comunitários e da solidariedade entre os homens na resolução de conflitos demonstra a importância da comunidade na solução de suas necessidades e anseios, cabendo ao Estado agir como instrumento para agregar as forças vivas da sociedade. Não se trata de aguardar passivamente o resultado, mas de interferir nas diversas causas que o produzem. Tal experimento, em São Paulo, reduziu o índice de homicídios no Estado: de 12.475 ocorrências, no ano de 2001, para 4.564, em 2009 (cf. informação da SSP/SP).
Ações estatais implementadas conjuntamente com a coletividade, movimentos sociais, Organizações Não Governamentais (ONG’s) etc. são a chave para esse novo desafio com que se depara a sociedade moderna e constituem a diretriz que deve pautar toda a atuação estatal, sem a qual não se estabelece um compromisso efetivo entre os agentes públicos e cidadãos na adoção de medidas que visem à prevenção do crime.
Postula-se, portanto, a participação ativa do cidadão, o dever de cooperação de todos na formulação de políticas públicas, pois somente essa solidariedade será capaz de reduzir a sensação de insegurança instalada no seio social e coibir a tendência isolacionista que, longe de garantir segurança, só contribui para disseminar a desarmonia, gênese da violência.
Nesse contexto, em contraponto ao florescimento da “indústria do medo”, focada na segurança privada, alerta o sociólogo Zygmunt Bauman, em sua obra Tempos Líquidos, que o Estado necessita revigorar os vínculos humanos e a solidariedade social, deixando de encorajar os cidadãos à sobrevivência individual nessa sociedade de riscos, “ao estilo ‘cada um por si e Deus por todos’ – num mundo incuravelmente fragmentado e atomizado, e, portanto, cada vez mais incerto e imprevisível”.
* Fernando Capez é Procurador de Justiça licenciado, Deputado Estadual e Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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