Eu pensei que essa surrada expressão continuasse a ser inofensivo slogan da propaganda anticomunista, tão inverossímil e démodé que ninguém dela se lembrasse mais. Muito menos que temesse seu reaparecimento de forma tão concreta, desumana, grotesca, ameaçadora. Ledo engano. Perdão! É que, nos meus setenta anos de vida, eu já vi muita coisa. Aliás, pensava que vira tudo. Só não vira a gula da companheirada no exercício do poder...
Pois bem. Nascidas Alice e Mariana, minhas primeiras netas, entendi, como vovô coruja e preocupado com as incertezas do amanhã, de assegurar-lhes uma certa garantia. Abri, então, em favor de cada qual, uma conta-poupança no Banco do Brasil e nelas depositei 6 mil reais em 2007. Achava que, financiando-lhes desde já os estudos, estaria fazendo um bem para elas. Outro ledo engano, pois, ao contrário, terminei por lhes causar um grande incômodo, um brutal dissabor, uma agressão à santa inocência delas. E a vergonha que passei?
É que, semana passada, Alice, seis aninhos, ao chegar da escola, recebeu uma estranha carta. Nada tinha a ver com presente de Papai Noel nem com seu desempenho escolar, aliás ótimo. Não! Era uma intimação da Secretaria da Fazenda do Piauí, recheada de carimbo, assinatura, carradas de leis e relabórios outros, para pagar, em dez dias, com multa, atualização monetária, juros e ameaças tantas, um tal imposto pelo presente recebido do avô. Mas não ficaria aí, pois, logo depois, eu recebia a notícia de que Mariana, três aninhos, acabava de ser também intimada lá em Patos de Minas, onde reside. É mole? Não é o caso de dizer, como Donizetti Adauto, que “morro e não vejo tudo?”
Interessante. Lula há pouco meteu os pés pelas mãos e tentou taxar a poupança, logo ela, que é isenta de impostos desde priscas eras. Teve que recuar diante da uníssona reação da opinião pública. Mas como é feliz quem vive aqui, a voracidade dessa gente não encontra limites: abocanha até o pé-de-meia das crianças! E eu, na minha tonta ingenuidade, pensando que eles tinham se fartado o bastante com os reluzentes carrões, os polpudos contracheques, as chácaras suntuosas, as casas e apartamentos nos condomínios de luxo...
Há uma outra questão. Todo mundo sabe que há leis que não pegam, isto é, existem mas não são executadas. São chamadas letras mortas. E o são, quase sempre, não porque o cidadão não tenha desejado cumpri-las, mas porque o poder público não demonstrou interesse em aplicá-las. Aliás, recentemente a primeira-dama, a inteligente e vigilante deputada Lílian Martins, fez uma lista enorme delas. É o caso da taxação de doação em dinheiro. Até bem pouco, ninguém a pagava nem era incomodado pelo governo. Pelo que sei, nem a própria Sefaz estava equipada para orientar a respeito. Tanto que acaba de designar comissão especial para isso. Contudo, sem prévio esclarecimento ou orientação ao contribuinte – o mínimo que o bom senso recomendaria em tais situações – passou a distribuir intimações a torto e a direito, como as recebidas pelas minhas netinhas, exigindo pagamento retroativo a 2007 com penalidades abusivas, e o que é pior, violando sigilos fiscais e arrotando ameaças a pessoas indefesas. Pode, mestre Deoclécio? E cadê a OAB?
Curioso é que, noutros Estados, são isentas as doações em dinheiro dentro de um certo limite. No Piauí, para completar nossa felicidade, paga-se por qualquer valor recebido. Salvo se se humilhar a exibir o antipático atestado de pobreza.
Ora, dizem que gato escaldado tem medo de água fria. Assim, é razoável supor que quem não respeita as crianças certamente não vai respeitar as mães. Daí perguntar a esses fominhas: e quando serão intimadas as benditas mães a pagar o imposto pelos presentes recebidos no seu glorioso dia? E os filhos, que achavam que cartaram alto em presenteá-las, onde meterão as caras vermelhas de tanta vergonha?
E ainda tem gente que jura não saber por que muitos empresários temem investir no Piauí, hem Damásio?
@Jesualdo Cavalcanti Barros é advogado, escritor, ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado do Piauí e presidente do Centro de Estudos e Debates do Gurguéia (CEDEG).
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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