No depoimento em que confessou o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, o pescador Amarildo Oliveira, o “Pelado”, disse que cometeu o crime porque estava contrariado com as ações do indigenista em desfavor da pesca e da caça ilegais no Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas. Ao revelar o local em que enterrou os corpos, o pescador negou ter executado o crime a mando de alguém. A polícia, no entanto, trabalha com a suspeita de ele ter cumprido ordem de algum atravessador para quem trabalha.
O principal suspeito é conhecido como “Colômbia”, que seria o responsável por comprar toda a produção de Pelado e demais infratores da região. Ele teria ligação com grupos de narcotraficantes da Tríplice Fronteira com Peru e Colômbia. O Estadão apurou, no entanto, que há outros nomes sob suspeita.
Pelado foi preso em 7 de junho, dois dias após Pereira e Phillips terem sido vistos pela última vez, mas só confessou o crime na madrugada do dia 15. Na véspera, viu o irmão Oseney Oliveira, o “Dos Santos”, ser levado para a mesma carceragem por indícios de envolvimento com o caso. Os dois têm 41 anos, segundo a Polícia Federal.
De acordo com detalhes da investigação aos quais o Estadão teve acesso, Pelado agiu para isentar o irmão de acusações e optou por assumir toda a culpa pelos assassinatos. As investigações da polícia, no entanto, indicam que os dois tiveram participação “efetiva” no desfecho.
O inquérito formalmente tramita na Polícia Civil do Amazonas. Há uma apuração paralela da PF. Ainda não há uma definição sobre em qual esfera – estadual ou federal – o futuro processo correrá. Se for à federal, a Polícia Civil compartilhará as provas. Caso fique na estadual, o contrário. Entre as hipóteses que fariam o inquérito passar aos cuidados da Polícia Federal está a confirmação de elo do crime com o tráfico de drogas internacional ou a indicação de crimes contra a coletividade de povos indígenas.
Agressividade
A reportagem conversou com indígenas matis, marubo e kanamari que vivem no Vale do Javari. Segundo os relatos, Pelado é agressivo com os indígenas, não aceita cumprir a lei que o impede de adentrar o território demarcado e é responsável por alguns dos vários ataques a tiros contra a base da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Testemunhas indígenas ouvidas pela polícia também atribuem ao pescador a autoria de atentados contra “parentes” na mata. As investidas dele têm gerado reações dos nativos. Há um clima de conflito permanente na selva amazônica e lideranças indígenas têm trabalhado para o apaziguamento apesar da brutalidade contra Pereira e Phillips.
O indigenista desfrutava do respeito dos povos da mata porque se dedicava a protegê-los. Andava descalço, comia e falava como os nativos. Ele coordenou as maiores operações de destruição de dragas de garimpo no Javari, nos últimos anos, e ensinou os indígenas a defenderem a própria terra. Após sofrer retaliações em seu trabalho como servidor da Funai, passou a atuar diretamente com os índios, por meio da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
Pelado e Dos Santos são de uma família de pescadores e alvo de diversas denúncias de exploração ilegal em áreas protegidas. Os ameaçados pirarucus, os tracajás – uma espécie de cágado da Amazônia – e as tartarugas são os produtos preferidos. Eles aparecem em denúncias que foram feitas pela equipe treinada por Pereira e que foram entregues às autoridades.
Saída sob escolta
No dia seguinte à confissão e à localização dos corpos, Atalaia do Norte, no extremo oeste do Amazonas, amanheceu diferente. O aparato militar e policial foi reduzido e a movimentação de curiosos no cais do município não se repetiu. Após vários dias, as pancadas de chuva fina que o mormaço anunciava desde a véspera finalmente apareceram.
Com o esvaziamento, lideranças indígenas ameaçadas pelo mesmo grupo que prometeu matar Pereira também deixaram a cidade. Os irmãos Beto e Eliesio Marubo, chefes da Univaja, partiram de Atalaia do Norte sob forte escolta policial. Ambos foram citados no mesmo bilhete apócrifo que surgiu com ameaças contra Bruno e Orlando Possuelo, outro indigenista.
“Bruno era um irmão do mato meu, do Eliesio e da Univaja”, disse Beto. “Entendemos que é um crime político. A caça e a pesca ilegal no Vale do Javari têm, sim, envolvimento político. Infelizmente, as autoridades que fazem a investigação ainda não viram isso. O Estado gosta de ser ausente na região e teremos a continuidade dessa conduta delitiva”, destacou Eliesio, o outro marubo, que é advogado.
Como tem mostrado o Estadão, a região do Vale do Javari é controlada por cartéis de narcotraficantes que subcontratam capatazes até chegar a lideranças ribeirinhas.
Estas dão vazão aos produtos tirados legal e ilegalmente da floresta e garantem o controle local para que traficantes operem rotas para escoamento de drogas e de armas a partir da fronteira.
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