Por unanimidade, a diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deliberou em reunião nesta terça-feira, 20, pela autorização temporária do uso emergencial do coquetel o REGN-COV2 no tratamento de pacientes com a covid-19. Liberado em caráter experimental, o tratamento reúne os medicamentos casirivimabe e imdevimabe (cujos nomes originais são, respectivamente, casirivimab e imdevimab) e é destinado a casos leves e moderados com resultado positivo em laboratório para o novo coronavírus e "que possuem alto risco de progredir para formas graves da doença", como idosos de 65 anos ou mais e pessoas do grupo de risco em geral.
O uso será restrito a hospitais, com venda proibida no comércio e farmácias, e é destinado a pacientes que não estão internados e que não necessitam de suplementação de oxigênio de alto fluxo ou ventilação mecânica. Este é o segundo tratamento para a doença liberado para uso emergencial no País, após a aprovação do remdesivir em março.
O tratamento foi desenvolvido pela empresa norte-americana Regeneron Pharmaceuticals, em parceria com a suíça Roche, responsável pelo pedido de autorização de uso no Brasil, protocolado na Anvisa em 1.º de abril. O coquetel está liberado para uso em caráter emergencial nos Estados Unidos desde novembro passado, tendo sido um dos utilizados pelo então presidente Donald Trump, além do Canadá e da Suíça. Além disso, teve parecer positivo da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) em fevereiro, com posterior autorização de uso emergencial na Itália, na Alemanha, na República Checa, na França e na Islândia.
A indicação terapêutica é para pessoas de ao menos 12 anos e com pelo menos 40 quilos. Os possíveis efeitos colaterais incluem anafilaxia (reação alérgica aguda), febre, calafrios, urticária, coceira e rubor.
Como explicou Gustavo Mendes Lima Santos, gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da agência, o tratamento reúne dois anticorpos monoclonais (proteínas feitas em laboratório) que têm o objetivo de se ligar à proteína spike do vírus a fim de impedir que entre na célula e possa se replicar. O tratamento não é recomendado para pacientes que estão em estado grave, pois pode piorar o quadro de saúde.
“Deve ser iniciado assim que possível após o teste viral positivo, dentro de dez dias do início dos sintomas", destacou. “Reduziu significativamente o risco de hospitalização ou morte relacionadas à covid nos pacientes ambulatoriais sintomáticos com um ou mais fator de risco."
Em geral, o alto risco é definido como pacientes que atendem a pelo menos um dos seguintes critérios: índice de massa corporal (IMC) superior a 35, doença renal crônica, diabetes, doença imunossupressora, estar em tratamento imunossupressor e ter 65 anos ou mais. No caso de pessoas com 55 anos ou mais, o tratamento é indicado para quem tem doença cardiovascular, hipertensão, doença pulmonar obstrutiva crônica ou doença respiratória crônica. Além disso, no caso dos que têm de 12 a 17 anos, é recomendado crianças e adolescentes com IMC superior ou igual a 85 (com base nos gráficos de crescimento do CDC), doença falciforme, doença cardíaca congênita ou adquirida, distúrbio de neurodesenvolvimento (como paralisia cerebral, por exemplo), dependência tecnológica relacionada à medicina (como traqueostomia e gastrostomia), ventilação com pressão positiva não relacionada à covid-19, asma, via aérea reativa ou outra doença respiratória crônica que requer medicação diária para controle.
No caso da autorização no Brasil, a dose é de 600 mg de cada um dos dois medicamentos, que devem ser administrados juntos e por meio de infusão intravenosa única (por meio de uma bolsa, semelhante à de um soro, por exemplo). “Faz indução e (o paciente) volta para casa”, explicou Santos. A posologia é, portanto, distinta da autorizada nos Estados Unidos e aprovada na Europa, que prevê o 1,2 mil mg. Segundo o gerente-geral, a empresa submeteu a nova posologia nos locais citados.
Santos destacou que o tratamento passou por quatro estudos não clínicos distintos, nos quais não foram identificadas “questões maiores” em relação à segurança, considerada com perfil “aceitável”. “Os ensaios realizados não geraram preocupação que ensejasse uma investigação específica”, apontou.
O benefício seria perceptível a partir do segundo dia após a aplicação. Segundo o estudo considerado pela Anvisa, houve redução de 70,4% no número de pacientes hospitalizados por covid-19, quando comparado ao grupo que recebeu placebo.
Nesse estudo, os eventos adversos graves foram mais frequentes no grupo placebo. Ao todo, 0,3% das pessoas que receberam o tratamento tiveram uma reação de hipersensibilidade. No caso das doses de 2,4 mil mg, a redução foi semelhante, de 71,3%, destacou Santos.
“Em um ensaio clínico com pacientes, os anticorpos, administrados em conjunto, mostraram reduzir a internação relacionada à covid-19 e consultas de emergência em pacientes com alto risco de progressão da doença, no prazo de 28 dias após o tratamento, quando comparados ao placebo”, destacou comunicado da agência.
Os medicamentos têm validade de 12 meses quando armazenados de 2ºC a 8ºC. Quando diluídos, podem ser armazenados por até quatro horas em temperatura ambiente e, se refrigerados entre 2ºC e 8ºC, por até 36 horas.
O gerente-geral de Medicamentos pontou, contudo, que há incertezas sobre o medicamento, pois os dados “ainda estão sendo gerados” e que a aprovação foi sugerida por sua área pela “situação de emergência” da pandemia. Não há indicatos, por exemplo, sobre o potencial de indução de doença exarcebada, isto é, quando a neutralização falha e acaba por colaborar com o espalhamento do vírus. Ele destacou que há a necessidade de revisão quando for aberto um pedido de registro, como a confirmação do prazo de validade.
Ele reiterou, ainda, não haver dados sobre os resultados em menores de 18 anos ou tampouco para variantes, cuja capacidade de neutralização para novas cepas (como a P1) foi demonstrada exclusivamente in vitro. Além disso, destacou que a administração em grávidas deve ocorrer com “cautela”, uma vez que os dados são limitados nessa população, com estudos de toxicidade reprodutiva em animais ainda não concluídos.
Na reunião, Liana Kusano Fonseca, gerente substituta de Inspeção e Fiscalização de Medicamentos e Insumos Farmacêuticos, informou que a equipe técnica identificou informações “satisfatórias” para emitir análise de boas práticas de fabricação, essenciais para a liberação do uso emergencial.
A avaliação envolveu as três fábricas envolvidas, desde a produção da substância ativa (ocorrida nos Estados Unidos), o acabamento dos medicamentos (igualmente feita no território norte-americano) e o embalamento secundário (realizado na Suíça). O envolvimento de outras plantas fabris nessa cadeia exigirá nova autorização de uso emergencial na Anvisa.
Da mesma forma, Suzie Marie Gomes, gerente-geral de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária, apontou que os dados são suficientes para aprovar o Plano de Gerenciamento de Risco.
Relatora do pedido e uma das diretoras da agência, Meiruze Sousa Freitas destacou que o tratamento atende às expectativas quanto aos "requisitos mínimos”. “Espero que essa autorização possa aliviar a carga do nosso sistema de saúde”, destacou. Ela disse que pode ser “mais uma ferramenta no combate à pandemia”, junto com o remdesivir e as vacinas.
Ela destacou que a autorização não envolve o uso com a proposta de prevenir o contágio, que também é alvo de estudo pelas fabricantes. Além disso, lembrou que os pacientes que receberem o tratamento deverão aguardar ao menos 90 dias para serem vacinados contra a covid-19, após procurarem avaliação médica.
“É importante a convocação dos profissionais de saúde para a notificação de qualquer suspeita de reações adversas”, salientou. Ela lembrou, ainda, que a Anvisa pode se manifestar novamente sobre o tratamento a “qualquer momento”, inclusive com a tomada de “medidas protetivas”.
Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, também destacou que o novo tratamento será importante neste momento de agravamento da pandemia. “Estamos fazendo hoje mais uma entrega importante, de ação objetiva no tratamento de pacientes que estão numa janela terapêutica, prévia ao passo mais grave, de uma situação de necessitar de oxigenioterapia e até mesmo intubação”, comentou. “(Os medicamentos) poderão contribuir para a redução das taxas de ocupação (de leitos) de pacientes graves.”
Coquetel também reduziu 81% de casos sintomáticos em contactantes, apontou farmacêutica
Em 12 de abril, a Regeneron divulgou um estudo que apontava que o tratamento seria capaz de reduzir o risco de casos sintomáticos em 81% em pessoas que moram na mesma residência que pacientes com a covid-19. Os demais participantes do estudo tiveram sintomas leves e com permanência menor, por até cerca de uma semana (ante as cerca de três semanas de sintomas identificados em quem recebeu o placebo). Esse tipo de uso não está autorizado no Brasil, pois a liberação de uso emergencial é exclusiva para pacientes que já têm a doença.
O estudo foi feito com uma amostra de 1.505 pessoas não infectadas pelo novo coronavírus, que não tinham anticorpos para a doença e viviam na mesma residência que alguém que teve covid-19 nos quatro dias anteriores. Realizado em conjunto com o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID na sigla em inglês), foi duplo-cego, com administração de placebo para parte dos envolvidos.
Do total dos participantes, 31% tinham ao menos um fator de risco para a doença. Além disso, 33% eram obesos e 38% estavam com 50 anos ou mais. A média de idade foi de 44 anos, embora o estudo tenha reunido desde pré-adolescentes com 12 anos a idosos com 92 anos.
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