A disputa milionária aberta pelo Ministério da Saúde para comprar testes rápidos da covid-19 passou por uma reviravolta. A empresa Abbott, inicialmente desclassificada, conseguiu reverter sua situação e pode vencer o certame para fornecer 7 milhões de exames ao custo de R$ 259 milhões aos cofres públicos. Cada unidade sai por R$ 37, o preço mais baixo entre as candidatas.
A negociação “de emergência”, iniciada no dia 20 de abril, foi feita sem licitação, por meio de um chamamento às empresas interessadas em fornecer os testes. Na época, o produto da Abbott ainda não tinha registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que inviabilizou a participação da empresa. Mas como a análise do ministério para a compra emergencial dos testes se arrasta por mais de um mês, deu tempo para a empresa conseguir, enfim, o registro e voltar ao páreo.
Os testes da Abbot ganharam projeção mundial nas últimas semanas. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, recebeu no dia 29 de abril a empresa na Casa Branca. Ele posou para fotos com o exame “ID NOW” e fez propaganda: “Quero agradecer pelo incrível trabalho que eles fizeram.” Dias mais tarde, em 14 de maio, o Food and Drug Administration (FDA), espécie de Anvisa dos EUA, lançou “alerta” para possíveis “resultados inexatos” do exame e disse seguir em busca de mais dados e em contato com a empresa. A Abbott afirmou ao Estadão que o teste usado por Trump entrega “resultados confiáveis”.
O produto oferecido ao Ministério da Saúde é outro, chamado de “Panbio COVID-19 IgG/IgM Rapid Test Device”, e não foi alvo da análise do FDA. Não há também qualquer questionamento pela Anvisa.
O edital do ministério chegou a causar dúvidas entre empresas que apresentaram ofertas. Na leitura de alguns participantes, seria possível que mais de um laboratório vendesse ao governo, até chegar a 12 milhões de unidades. No documento mais recente sobre o edital, a pasta sinaliza que comprará apenas o teste da Abbott.
O chamado do ministério a empresas para a compra dos testes, sem licitação, foi lançado no dia 20 de abril. Baseado na legislação aprovada para enfrentar a pandemia, os governos têm feito compras emergenciais, sem licitação. Pela média de preço dos produtos ofertados, a compra toda poderia se aproximar de R$ 1 bilhão. Até o fim da segunda semana de maio, a disputa para fornecer testes rápidos era liderada pela Sallus, uma microempresa de Manaus sem histórico de fornecimento ao poder público.
O prazo para os lances se encerrou em 22 de abril. Este intervalo foi determinante para devolver a Abbott ao certame. As análises do ministério para a compra dos testes ocorrem em sigilo, mas foram entregues à reportagem por fontes que acompanham a discussão. Em ofícios, a pasta argumenta que a Abbott apresentava apenas um “protocolo de registro” quando ofereceu o teste e não há irregularidade em classificar a empresa no meio do processo.
Na atualização mais recente do edital entregue à reportagem, a Sallus passou para a terceira colocação. O laboratório público Bahiafarma segue em segundo. Ambas apresentam a mesma oferta: R$ 59, valor diferente do que consta em documentos da semana anterior, quando o melhor preço era da empresa de Manaus.
Como mostrou o Estadão, a Anvisa interditou a linha de produção de testes rápidos para dengue, zika e chikungunya da Bahiafarma, em 2019, após uma análise encontrar “resultados insatisfatórios” sobre “especificidade e sensibilidade” dos produtos. A agência também determinou o recolhimento dos exames. O governo pagou cerca de R$ 120 milhões pelos testes do laboratório em 2016 e R$ 160 milhões em 2017. A Bahiafarma diz que os testes para dengue e outras doenças cumprem com o prometido em bula.
Nas tratativas para compra de teste rápido para a covid-19, o ministério fez uma pesquisa de preços praticados por governos locais e hospitais do País. A média é de R$ 120, mais de três vezes superior ao ofertado pela Abbott. “Ressalta-se que o menor preço encontrado por meio das buscas aos supracitados sites (R$110,00), restou em um valor 197,30% superior ao ofertado pela empresa”, escreveu o ministério.
Análise. Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou sobre a compra. No edital, a pasta afirma que vai submeter os testes comprados à análise do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS). A Abbott confirma que participou da licitação e não poderia oferecer mais detalhes porque o processo é confidencial.
Ver todos os comentários | 0 |