A maioria dos deputados já apoia a destinação dos R$ 2 bilhões reservados ao custeio das eleições municipais deste ano para ações de combate à pandemia do novo coronavírus. Pelo menos 264 parlamentares afirmam que votariam a favor de projeto que alterasse a finalidade do fundo eleitoral diante da situação de emergência do País. Enquete feita pelo Estado nos últimos 20 dias mostra, ainda, que esse número pode ser maior, já que 94 deputados não foram encontrados para opinar.
A menos de seis meses para o primeiro turno das eleições, marcado para 4 de outubro, o adiamento do pleito não está definido. No Congresso, não há um debate oficial sobre a questão. Já a proposta de transferir recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para a Saúde, que depende de maioria simples para ser aprovada, é objeto de 11 projetos de lei, apresentados desde março.
As propostas foram elaboradas por parlamentares de oito partidos – PL, PSL, PSDB, Novo, PDT, PROS, PSB e Avante – com base no caráter emergencial da medida, mas nenhuma foi pautada pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele argumenta que a utilização do recurso bilionário está prevista na “PEC da guerra”, aprovada por deputados e senadores neste mês.
A proposta de emenda à Constituição trata do uso de fundos, mas não cita o que paga campanhas eleitorais. Tanto que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), negou a inclusão dessa possibilidade no texto votado pelos senadores. Segundo ele, diante das medidas anunciadas pelo governo, avaliadas em R$ 568 bilhões, o uso do fundão não se faz necessário. Para Alcolumbre, que tem o apoio das cúpulas do Senado e da Câmara, o pedido é “demagogia”.
Na divisão por partidos, o placar do Estado mostra que apenas as bancadas do Novo, do PV e do Patriota fecharam questão sobre transferir os recursos do fundo eleitoral para a crise do coronavírus. Mas em outras cinco bancadas esse apoio passa dos 60% – como Cidadania, PDT e PSDB.
Em outros partidos, no entanto, há deputados que consideram que ainda não se chegou ao momento de definir uma mudança no uso do fundo. “Sinceramente, não sei como, no meio de uma confusão como essa, ainda tem deputado que consegue pensar em eleição. Nós, da bancada do PCdoB, não discutiremos esse tema enquanto houver estado de emergência. O foco, agora, é tentar encontrar saídas para o País”, disse a líder do partido, Perpétua Almeida.
No PT, 6 disseram ser a favor, 8 são contra, 31 deputados não quiseram responder e 8 não foram encontrados. “Temos outras maneiras de financiar o combate ao coronavírus. Isso é desculpa para a volta do financiamento de campanha com dinheiro privado”, afirmou o deputado Zé Carlos (PT-MA).
Mudar lei fora do prazo pode ser inconstitucional
O advogado e professor de Direito Eleitoral do Mackenzie Alberto Rollo afirmou que qualquer mudança nas regras eleitorais feita a menos de um ano de antecedência do pleito pode ser considerada inconstitucional. “E não apenas por isso, mas também porque viola o princípio da democracia, na medida em que sem dinheiro não tem eleição.”
Desde 2016, na esteira da Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que doações de empresas de campanha estão vetadas.
A volta desse tipo de financiamento, com consequências expostas pela Lava Jato, é criticada por alguns parlamentares, mas defendida por outros. O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) afirmou que abriria mão do fundão caso a doação de empresas seja tornada válida novamente. Já o Subtenente Gonzaga (PDT-MG) se posicionou contra, mesmo com redução do financiamento público de campanha.
Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP, se os recursos do fundo eleitoral forem transferidos para a área da Saúde, com objetivo de serem usados em ações de combate à pandemia causada pelo novo coronavírus, não haverá tempo para se construir uma alternativa de financiamento.
“O debate é complexo, pois enfrentar a covid-19 exige mobilizar todos os recursos possíveis”, avaliou o cientista político. Ele ressaltou, no entanto, que não se faz eleição sem dinheiro. “O melhor seria encontrar um meio-termo. Gastar menos com a eleição e usar os recursos economizados no combate ao vírus”, disse.
PARA ENTENDER: Verba banca campanhas
Em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou integralmente o Orçamento de 2020, que inclui o fundo eleitoral. Conhecido como “fundão”, o dispositivo prevê gasto de R$ 2 bilhões para financiar as campanhas dos candidatos nas eleições municipais de outubro. O valor de R$ 2 bilhões foi aprovado pelo Congresso em dezembro do ano passado.
O Fundo Especial de Financiamento de Campanha é abastecido com dinheiro do Tesouro Nacional e se destina ao financiamento das campanhas políticas. Ele foi criado em 2017 para compensar as perdas impostas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, dois anos antes, proibiu as doações de pessoas jurídicas para as campanhas eleitorais. A distribuição da verba para os candidatos fica a critério das cúpulas partidárias. Em geral, políticos com mandato e em cidades estratégicas, como capitais e regiões metropolitanas, são privilegiados pelos repasses.
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