Os partidos políticos chegaram ao ano eleitoral de 2022 devendo R$ 84 milhões aos cofres públicos – considerando débitos já parcelados ou alvo de acordo esse número supera R$ 100 milhões. Boa parte diz respeito a multas aplicadas pela Justiça Eleitoral, mas há também pagamentos atrasados para a Previdência e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dos funcionários e impostos não recolhidos. A maior dívida é do PT: R$ 23,6 milhões, quase quatro vezes o valor devido pelo segundo colocado, o Democratas (DEM), com R$ 6,5 milhões.
A existência de dívidas não impede que os partidos continuem recebendo recursos públicos do Fundo Partidário (cerca de R$ 1 bilhão) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), conhecido como “Fundão Eleitoral” – o Orçamento de 2022 separou mais R$ 4,9 bilhões para as campanhas eleitorais deste ano. As multas e dívidas também não alcançam a pessoa física dos dirigentes e ex-dirigentes das siglas. A maioria dos diretórios dos partidos procurados pela reportagem não quis comentar, mas, informalmente, alguns dirigentes atribuíram a responsabilidade pelas dívidas aos antecessores.
A maior parte da dívida do PT é com a Previdência Social: R$ 16,4 milhões. Em seguida, vêm as multas da Justiça Eleitoral (R$ 5,1 milhões). Há também dívidas de impostos (R$ 709 mil) e de FGTS (R$ 135 mil). No caso do PT, todas as dívidas dizem respeito aos diretórios estaduais (R$ 12,7 milhões) e municipais (R$ 10,8 milhões). Procurada, a direção nacional não quis dar explicações.
Dos dez diretórios mais endividados do País, quatro são do PT. O campeão é o diretório estadual no Rio Grande do Sul, com R$ 8,1 milhões em cobrança. O diretório municipal do PT em São Paulo vem em seguida, com R$ 4,6 milhões – o valor é composto por dívidas previdenciárias, descritas como “em cobrança” pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. No caso do diretório gaúcho, há também impostos atrasados, além das dívidas com o INSS.
O PT é a segunda legenda que mais recebeu recursos do Fundo Partidário em 2021 – R$ 95,2 milhões –, atrás apenas do PSL, com R$ 112,7 milhões.
Ao todo, 31 dos 33 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm algum tipo de dívida com a União – as exceções são o Novo, sigla criada em 2015, e a Unidade Popular, legenda de esquerda que obteve o registro formal em 2019. Para obter os dados, o Estadão confrontou os mais de 32 mil CNPJs dos partidos brasileiros com a base de dados da Procuradoria da Fazenda.
Endividados
Dos 32.013 diretórios nacionais, estaduais e municipais, quase um quinto (17,1%) carrega algum tipo de dívida com a União, seja como devedor principal ou solidário, no caso de multas eleitorais que são aplicadas a uma coligação com várias legendas. Proporcionalmente, a sigla com mais diretórios endividados é o PSB, com mais de um quarto de seus CNPJs relacionados a algum tipo de débito. Procurada, a legenda também se recusou a explicar a situação.
Assim como o PT, a maioria dos partidos concentra suas dívidas nos órgãos municipais e estaduais, deixando a direção nacional livre de débitos. As dívidas dos diretórios nacionais de todos os partidos somam pouco menos de R$ 2 milhões, ou 2,2% do total. Enquanto isso, os diretórios municipais e estaduais ficam com 47,5% e 50,2% dos débitos, respectivamente. No conjunto dos partidos, a maior parte das dívidas é com a Previdência e o FGTS dos funcionários, com pouco mais de R$ 30 milhões dos R$ 84,3 milhões em cobrança – isto é, que não foram alvo de acordo ou benefício fiscal.
O maior débito em cobrança carregado pela direção nacional de um partido pertence ao Cidadania, com pouco mais de R$ 512 mil. A legenda disse que está negociando parte das dívidas previdenciárias e pagando aos poucos o montante devido.
Jurisprudência
Em setembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão que favorece o comando nacional das legendas: por maioria, a Corte arbitrou que os débitos dos diretórios municipais e estaduais são de responsabilidade apenas deles mesmos, e não da direção nacional. A ação foi movida por DEM, PSDB, PT e Cidadania – juntos, os diretórios estaduais e municipais desses quatro partidos somam R$ 37,1 milhões em dívidas.
Ao seguir o entendimento do relator do caso, o ministro Dias Toffoli, a maioria do STF declarou constitucional um trecho da Lei dos Partidos Políticos segundo o qual as dívidas são de responsabilidade exclusiva do diretório.
Dependência
Especialista em direito eleitoral e doutor em direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), o advogado Renato Ribeiro de Almeida explica que a existência de dívidas não impede as legendas de receberem recursos públicos. “Embora isto possa ser polêmico, o que o legislador pensou foi em garantir a existência do pluripartidarismo no Brasil. Muitos partidos dependem dos recursos públicos. Se eles ficassem impedidos de receber (os fundos Partidário e Eleitoral) em função das dívidas, criaríamos uma situação que inviabilizaria a participação deles nas eleições e o trabalho deles ao longo do ano”, diz ele, cuja tese de doutorado é sobre o funcionamento dos “partidos negócios”.
Uma regra que dificulta a vida dos dirigentes partidários é a de que as multas eleitorais não podem ser pagas com dinheiro do Fundo Partidário. Para quitar essas punições, as legendas precisam buscar outras fontes de recursos.
“Como o Fundo Partidário é dinheiro público, do Orçamento, e uma das fontes dele é justamente as multas eleitorais, as legendas não podem usar recursos dos Fundos Eleitoral e Partidário para pagar essas dívidas. Ele tem que fazer uma arrecadação privada. O que é um grande problema, porque é muito difícil no Brasil você ter esse tipo de doações hoje”, diz o advogado especialista em direito eleitoral Luiz Eduardo Peccinin, que é doutorando em Direito na Universidade Federal do Paraná.
Mesmo estando longe de ser a maior fonte de receita dos partidos, algumas legendas obtêm doações. A Direção Nacional do PT, por exemplo, declarou ao TSE ter recebido R$ 9,1 milhões de pessoas físicas no ano passado.
A pendência mais antiga inscrita na Dívida Ativa da União é um débito contra o Diretório Estadual do PSDB no Rio de Janeiro, de março de 2000. Segundo a base de dados da Procuradoria da Fazenda, os partidos têm dívidas ativas de R$ 646,3 mil com mais de 20 anos sem acordo ou negociação.
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