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Política

Livro resgata história do Novo e faz críticas à gestão do partido

Obra de Roberto Motta, um dos fundadores da legenda, questiona ‘centralização’ das decisões políticas.

Em meio ao anúncio de que o financista João Amoêdo deverá ser mais uma vez o candidato do partido Novo ao Palácio do Planalto em 2022, um livro que está no prelo traz uma contribuição preciosa para quem quer conhecer melhor a legenda – os bastidores de sua criação, em 2011, os personagens que levaram a cabo a iniciativa, as suas bandeiras políticas e os problemas que surgiram ao longo do caminho e que, em alguns casos, ainda continuam presentes na vida partidária.

Intitulado Os Inocentes do Leblon – Uma biografia do idealismo e com lançamento previsto para meados de julho (Ed. Opção C, 122 pág., R$ 55), o novo livro, ao qual o Estadão teve acesso em primeira mão, não é a versão oficial da história do partido, o primeiro formado no País sem a participação de políticos que já atuavam em outras agremiações.


A obra, escrita pelo engenheiro e administrador Roberto Motta, que foi um dos fundadores do Novo, do qual se desligou em julho de 2016, oferece ao leitor uma visão crítica dos acontecimentos, da gestão do partido e da atuação de seus dirigentes, a partir de sua própria experiência, reforçada no final com casos de outras lideranças que abraçaram o projeto, mas também acabaram deixando a sigla. Embora tenha apenas dez anos de existência, o partido já coleciona desafetos que militavam em suas fileiras e, de acordo com Motta, e já gerou muita frustração em quem se dispôs a “carregar pedra” para colocar o partido em pé.

As críticas, porém, não impedem o autor de fazer um relato apaixonado do processo de formação da legenda, no qual mergulhou de corpo e alma, movido pela insatisfação com os rumos do País e as práticas predominantes na arena política, como a maioria dos filiados e apoiadores do Novo.

Também não o impedem de relembrar momentos marcantes do período, como uma conversa que teve com Amoêdo no extinto restaurante Ecco, na região da Avenida Faria Lima, em São Paulo, em 2009, na qual surgiu, segundo ele, a ideia de criar o partido, e uma pequena reunião realizada no escritório de Amoêdo no bairro do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, em 2010, que sacramentou a decisão de transformar o “sonho” em realidade.

Rumos políticos

Colega de classe de Amoêdo no ensino médio no Colégio Santo Inácio, um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro, nos anos 1970, e seu amigo próximo até pouco antes de deixar o Novo, Motta o acompanhou na empreitada desde a primeira hora, mas se desiludiu com o parceiro, com o qual não voltou a falar, e a sua forma de administrar o partido.

Motta considera a gestão partidária excessivamente centralizada na figura de seu principal líder, e refratária à participação de filiados na definição dos rumos políticos da legenda. Para ele, querer administrar o partido como uma empresa, uma ideia fixa de Amoêdo, a quem chama de “dono” do Novo, é um “equívoco”.

O autor conta que, numa reunião partidária realizada em Niterói (RJ) entre 2015 e 2016, Amoêdo teria dito, de acordo com um integrante da legenda presente ao encontro, que os filiados deveriam agir como os voluntários que trabalham na organização de grandes eventos esportivos, como a Copa e as Olimpíadas, que ficam de costas para o jogo.

“Um partido é completamente diferente de uma empresa”, afirma. “Uma empresa tem um dono, que contrata e demite funcionários. Sua razão de existir é o lucro. O partido é uma organização voluntária, movida por ideias e sonhos, e sua principal missão é servir como filtro de acesso à política institucional.”

'Ideias ingênuas'

Hoje ligado ao PSC, pelo qual se candidatou a deputado federal em 2018 e a vereador em 2020 sem conseguir se eleger, Motta dedica parte do livro aos problemas que levaram ao seu desligamento da sigla. Ele diz que os atritos com Amoêdo começaram quando resolveu expandir para a Baixada Fluminense os eventos que realizava na zona sul do Rio para divulgar as propostas do Novo – uma estratégia vista com reservas pelo então presidente da legenda.

Segundo Motta, o partido primeiro lhe comunicou que deveria abortar a iniciativa e usar a apresentação oficial em suas palestras e não mais o material que ele próprio havia produzido para os eventos. Em seguida, o próprio Amoêdo lhe disse, conforme o seu relato, que havia insatisfação com a sua atuação e que teria de deixar o comando do partido no Rio, apesar de ter acenado a ele com uma possível candidatura à prefeitura carioca, em 2016.

Só que, quando chegou a hora de o Novo escolher o seu candidato no Rio, por meio de um contestado processo seletivo adotado para definir os representantes do partido nas eleições, que inclui “provas” e entrevistas para medir os conhecimentos de política e gestão pública dos interessados, Motta acabou preterido. Logo em seguida, com o desgaste gerado no processo, decidiu, então, deixar a agremiação que ajudara a construir.

Olhando hoje pelo retrovisor, Motta considera “ingênuas” as ideias de que é possível construir um partido sem a participação de políticos e de que a atuação política não deve ser encarada como profissão, defendidas pelo Novo desde a sua criação. “A partir do momento em que alguém se lança em uma carreira política, esta passa a ser sua nova profissão”, afirma. “Negar isso é se recusar a enxergar uma realidade óbvia e presente em todas as modernas democracias ocidentais.”

O autor coloca no mesmo balaio a posição do Novo de não utilizar os recursos dos fundos partidário e eleitoral. “A disputa eleitoral é uma guerra. Você não pode entrar em uma guerra e esperar vencer se abre mão de armas legais usadas por seus adversários. Eu continuo achando que não é certo usar dinheiro público para financiar campanhas políticas. Mas enquanto o fundo partidário e o fundo eleitoral existirem e estiverem disponíveis aos adversários, não faz sentido não os usar.”

'Expurgo de dissidentes'

Na avaliação de Motta, é preciso “refundar” o Novo, revendo o seu estatuto, “para evitar que o controle fique nas mãos de um dono e de seus prepostos e eliminar mecanismos autoritários, como o uso de uma infame comissão de ética para expurgar dissidentes”.

Ele afirma que o Novo deveria assumir um perfil liberal-conservador, com a incorporação de uma pauta clara de valores morais e um maior engajamento na “guerra cultural” – uma postura que ele diz ser a “única forma, de reverter a dominação absoluta que a esquerda exerce sobre todas as instituições”.

É difícil dizer se as posições do autor encontrariam eco entre os apoiadores e filiados do Novo. Até por não definir uma linha de ação em relação às questões de comportamento, o partido abriga hoje grupos com diferentes visões em relação ao aborto, às questões de gênero e à liberação da maconha. Talvez, as ideias de Motta em relação à gestão e à governança do partido tenham mais receptividade junto a seus integrantes e muitas de suas lideranças. Mas, independentemente da discussão que ele propõe sobre o futuro do Novo, restrita aos capítulos finais, o livro tem o mérito de jogar luz sobre uma agremiação que surgiu com a ambição de ser diferente de tudo isso que está aí e sobre a atuação de seus dirigentes.

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