O governador em exercício do Rio, Cláudio Castro (PSC), despacha na mesma sala de quando era vice-governador, adornada com apetrechos do Flamengo, um livro sobre o presidente Jair Bolsonaro e fotos com a família e o Papa Francisco. Alçado ao cargo após o afastamento do Wilson Witzel (PSC), Castro mantém fechada a sala do antecessor, que depende de decisão judicial para retornar ao cargo. Diferente de Witzel, diz que não estaria naquela cadeira se não fosse a onda bolsonarista de 2018, faz elogios a Bolsonaro, mas nega a alcunha de "tutelado" pela família do presidente. “Não sou pau mandado de ninguém”, disse ele, ao receber o Estadão no Palácio Guanabara. Para 2022, Castro diz que estará ao lado do presidente. "Bolsonaro é o meu candidato. Gosto dele, acredito nele."
Ao falar sobre o combate à pandemia, o governador elogia o trabalho de Eduardo Pazuello, que deixa o cargo sob críticas pela explosão de casos de covid-19 e atrasos na vacinação. Para Castro, o general foi “um guerreiro” à frente do Ministério da Saúde. No Rio, apesar de algumas medidas restritivas, o foco tem sido na abertura de leitos, enquanto especialistas pressionam para a adoção de mais restrições de circulação. Segundo Castro, “a técnica” e o novo ministro, Marcelo Queiroga, estão alinhados com o Rio de Janeiro.
Confira a entrevista:
Quase 300 pessoas esperam um leito de UTI no Rio. Não está na hora de adotar medidas mais rígidas de isolamento?
Continuo encarando de uma forma técnica. Recebo o pessoal da Saúde e ainda não me disseram que tenho que restringir mais coisas. Estamos preparando medidas, mas, como foi da última vez, vão ser 100% preparadas com a cadeia produtiva, os prefeitos e a medicina. Aqui será por meio de um processo de diálogo. Tem a questão agora de dois feriados, temos que decidir o que vamos fazer acerca deles. Segundo o meu pessoal, cada ato que se toma demora de duas a três semanas para sentir o impacto. Ainda estamos para entender se o que a gente já fez deu resultado ou não.
Mas a questão é exatamente essa: o modo como o Estado está funcionando hoje, em ritmo quase normal, não pode levar a um colapso total daqui a pouco?
Ainda tenho uma capacidade grande de abertura de leitos em comparação com os Estados vizinhos. O Rio está passando pela terceira onda, somos o único Estado passando por isso. Já temos um aprendizado. Não diminuímos tanto os leitos e sabemos que tem municípios “guardando” leitos - estamos indo em cima deles. Voltei a conversar com a rede privada para abrir 300 vagas; o dinheiro do fim do ano que reservei para vacinas foi demais e já estou usando para a abertura de leitos.
Então o foco no momento é mais na abertura de novos leitos do que em medidas restritivas?
Segundo a equipe técnica - e é óbvio que temos que rever isso todo dia -, com a ondulação da curva hoje e com a capacidade de abrir leitos o sistema não colapsaria antes de 25, 30 dias. Óbvio que isso pode mudar, é muito volátil. Estamos trabalhando com muita informação, me reúno diariamente com a equipe de Saúde, não tomo nenhuma decisão política sem estar baseado na técnica. A própria decisão de não fechar escolas foi da Saúde. O índice de internação para pessoas abaixo de 30 anos é muito baixo.
O sr. jantou no Palácio Guanabara com o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Ele está alinhado contra o lockdown e quer seguir mais na linha de abrir leitos?
Ele pensa assim, tanto que quer abrir aqui cerca de 200 leitos federais, talvez 250. Pelo que entendi da fala do ministro e do (Eduardo) Pazuello, que estava junto, é que vai ser uma gestão de continuidade do que o Pazuello vinha fazendo. Muita equipe dele fica.
Isso é bom ou ruim? Pazuello é muito criticado pela condução da pandemia.
Temos que dar tempo ao tempo, esperar um pouco para ver. É continuidade, mas com um ministro novo. Acho que o Pazuello foi um guerreiro nessa condução. Ele não é médico, mas cumpriu um papel de organizar essa batalha pela compra das vacinas. Mas é uma batalha tão difícil que todo mundo disse que ia comprar e não conseguiu. Nosso País é muito grande e não somos um País produtor, então é uma compra difícil. Estamos há uma semana no Rio batalhando (para comprar vacinas), mas as respostas não são boas, dizem que já estão negociando com o “governo central”. A política mundial hoje é essa.
O Brasil não demorou para firmar contratos? Teve o caso da Pfizer, por exemplo.
Imagino que é uma curva de aprendizagem, é a primeira vez na história que uma vacina é feita tão rapidamente. Todo mundo vai ter erros e acertos. Complicado é estar sentado na cadeira do gestor. Tinha uma questão que incomodava no contrato da Pfizer, sobre a responsabilidade de quem estava aplicando a vacina, a questão da refrigeração a menos 70 graus também. É muito complexo. Ficar apontando o dedo hoje é o simples, é o fácil. Resolver o problema é tão difícil que o País inteiro está com problemas, os 27 Estados. É todo mundo incompetente?
A conduta pessoal do presidente Bolsonaro não atrapalhou? Teve o “E daí?”, o não-uso de máscara, aglomerações com apoiadores... Como o sr., que é aliado dele, avalia essa postura?
O País está muito polarizado. Ao mesmo tempo que uma gama critica, outra endeusa. Essa polarização, e até o fato de alguns governadores estarem politizando, acaba saindo um pouco do campo da técnica. Aqui no Rio estamos fugindo da polarização e da politização, tentando encontrar um caminho da técnica, um caminho central de diálogo, de calma. Olhar só a questão do presidente é uma visão rasa. Há uma guerra por mídia instaurada de um lado contra o outro. No Rio temos deixado essa questão de lado - tirando quando o Doria tentou politizar comigo, aí dei uma resposta só e acabei.
Acha que o Doria politiza muito o combate à pandemia?
Muito, demais. A questão dele de vacinar antes de todo mundo - os governadores todos, até aliados, bateram nele. De querer ser o dono da vacina. Essa briga visceral com o presidente desde o início. Na primeira "call" que tivemos com o presidente, quando ainda era o Witzel, ele foi o único governador do Sudeste que bateu. Essa politização e a antecipação de 2022 fazem muito mal ao País.
Por que o sr. não assinou aquele pacto dos governadores que gerou o atrito com o Doria?
Já tínhamos mandado cinco cartas consecutivas. Não podemos viver de ficar mandando cartas o tempo todo. A carta anterior, que era bem mais dura e batia no presidente, eu assinei. Essa recente não tinha nenhuma decisão, nada, era tudo o que já estávamos fazendo. Não tinha novidade, proposta. Não vou ficar vivendo de carta, tenho mais o que fazer. Sou contra essa política de carta para tudo; ela tem que ter um recado, uma novidade.
Doria e Witzel chegaram a falar que o Bolsonaro poderia ser julgado por crimes contra a humanidade. Discorda do seu antecessor?
Ser julgado todo mundo pode - julgado, acusado. Quem está na gestão pública está sujeito a isso. Também não sabemos se vão olhar lá na frente e dizer que ele estava certo. É uma doença com a qual estamos aprendendo a lidar todo dia. Todo mundo tem um estudo, uma teoria. Nossa única certeza hoje é que a vacina é a solução, a nossa esperança, que tem que comprar todas.
Fala-se muito na política do Rio que o sr. é refém da família Bolsonaro politicamente. O que acha dessa afirmação?
Falavam que eu ia escolher o candidato bolsonarista para a Procuradoria-Geral de Justiça (o chefe do MP estadual), mas eu escolhi o mais votado da lista. Que eu não faria medidas restritivas na pandemia, mas fiz… Tenho uma proximidade boa (com a família Bolsonaro) , conheço há muitos anos, temos um alinhamento. Ser aliado é uma coisa, ser funcionário é outra. Não sou funcionário de ninguém, e sim do povo do meu Estado. Eu falava que o (senador) Flávio (Bolsonaro, filho mais velho do presidente) nunca tinha me pedido indicação para a PGJ, mas ninguém acreditava. Nunca me pediram isso, é até uma injustiça com eles. O que eu quero é poder contar com eles.
Do ponto de vista eleitoral, estará com Bolsonaro em 2022?
Bolsonaro é o meu candidato. Gosto dele, acredito nele. Nós estamos aqui por causa da onda bolsonarista, que teve mesmo. Seria um contrassenso não estar com ele, seria um contrassenso se eleger na esteira do Bolsonaro e agora virar as costas. Fomos eleitos por uma gama da sociedade que acreditava naquele modelo. Erros e acertos acontecem sempre, é o processo democrático e político natural. Não tem por que eu não estar com Bolsonaro hoje.
Tem aí uma crítica ao Witzel. Acha que ele errou muito politicamente nesse sentido?
Ele tomou as decisões dele. Eu sempre falei que não concordava com a briga. Eu não sou de briga, então sempre falei que o Rio precisava muito do governo federal, que a população escolheu um presidente e um governador da mesma linha para dialogarem. Os dois vão achar seus motivos para ter brigado, mas eu tomei uma decisão: não vou brigar. Vou discordar quando tiver que discordar, mas vou caminhar com todo mundo, inclusive com os prefeitos todos. Estava aqui outro dia com o Fabiano Horta (prefeito de Maricá, do PT), o Rodrigo Neves (ex de Niterói, do PDT), o Washington Reis (de Duque de Caxias, do MDB). Não tenho essa postura; converso com todo mundo.
Pelo que se sabe da investigação, acha que Witzel é culpado?
Não falo desse assunto. Não estou acompanhando, até porque se ele sair eu sou o sucessor, então nem trato do assunto. Nem comento.
O sr. assumiu o cargo já sendo alvo de um mandado de busca e apreensão na mesma investigação. Há ainda uma delação no MP local sobre suposta propina em contratos da Fundação Leão XIII, ligada à Vice-Governadoria...
Aquela delação lida? Que não pode existir? Palhaçada...
O que o sr. fazia no prédio com aquela mochila?
Ele (o delator Bruno Campos Selem) era meu amigo. Meu primeiro ato aqui foi cortar 25% do contrato dele, porque tínhamos que cumprir um decreto. Ele só se ferrou por ser meu amigo, não teve benefício. O cara faz uma delação lida… Tinha que cair tudo. Ninguém na imprensa cobra o MP e a Justiça de derrubar uma delação que é flagrantemente ilegal? É um erro de vocês permitir isso para ferrar o político. O cara fala o seguinte: que ele vai ao cofre na véspera, que não me vê, que está em outra sala, aí volta lá no fim da tarde. E que aí ele teria dado falta (do dinheiro). E não tem prova de quanto tinha no cofre.
O Rio tem um histórico recente de afastamentos e prisões de governadores. O sr. teme ser afastado ou preso por causa dessas investigações?
Se não tiver nenhuma covardia, zero. No Direito, zero, zero, zero. Não temo mesmo, porque expliquei tudo. Se olhar meu patrimônio, desde que parei de cantar não tem entrada na minha conta de nenhum real que não seja da fonte pagadora, uma conta minha paga em dinheiro. Meu padrão de vida hoje é pior do que quando eu era vereador. O único dinheiro que acharam na minha casa quando fizeram a busca é de quando eu vendia CD. Por causa dessa confusão, até tributei tudo, coisa que cantor católico nunca faz.
Considerando que é difícil Witzel voltar, o sr. será candidato à reeleição?
Tem muita água para passar debaixo dessa ponte ainda. Tenho que entregar um trabalho. Se entregar, é o caminho natural. Michel Temer poderia ter sido candidato, mas chegou inviável. Se eu chegar viável, não tenho mais para onde ir. Se sair para concorrer a outro cargo, provoco eleição indireta; seria um escárnio. Ainda sou muito desconhecido pela população. Se a eleição fosse só no meio político, eu seria eleito no primeiro turno.
O sr. é visto como uma antítese do Witzel nesse sentido, do traquejo político. Concorda?
Acho que tenho mais horas de voo que ele, né? Estou nisso há muitos anos, é normal. Tenho perfil diferente e mais experiência. Estou nisso desde 2004. Apesar de só me conhecerem agora, fui um cara de bastidores por muitos anos.
Já definiu a qual partido vai se filiar? Fala-se no PP, no PSD…
Estou conversando com todo mundo, recebi vários convites. Tenho até abril do ano que vem para definir isso. O PSC é uma casa que sempre me recebeu muito bem, não tenho problema nenhum com ele.
Mas tem os problemas do partido aqui no Rio.
Todo partido tem. Se for olhar os problemas, não vou para lugar nenhum. Tenho que olhar o que é melhor na hora para o projeto. Nem sei qual é o projeto ainda, não tenho como escolher o partido.
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