A maioria dos atuais pré-candidatos à Presidência da República em 2022 afirmam ser contrários à reeleição. Conforme levantamento realizado pelo Estadão, Sérgio Moro (Podemos), Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB), Alessandro Vieira (Cidadania) e Luiz Felipe d’Ávila (Novo) defendem um único mandato para o chefe do Poder Executivo.
O número de presidenciáveis contrários à reeleição cresceu em relação à última eleição para presidente. Em 2018, apenas três dos 13 candidatos declararam ser contrários ao instrumento. Entre eles estava o atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro, que deve tentar um novo mandato no próximo ano. Em entrevista ao Estadão em outubro de 2018, o então candidato chegou a afirmar que, caso eleito, pretendia patrocinar uma “excelente reforma política”, que contemplaria o fim da reeleição.
A possibilidade de presidentes disputarem mais quatro anos de mandato foi aprovada em 1997, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Em artigo publicado em setembro do ano passado, o ex-presidente reconheceu que “permitir” o instituto da reeleição foi um erro. “É ingenuidade imaginar que os presidentes não farão o impossível para se reelegerem”, escreveu FHC, que se reelegeu para o segundo mandato em 1998.
Presidenciável pelo mesmo partido, o governador João Doria (PSDB) argumenta que, durante o governo de FHC, a reeleição ajudou o País a se estabilizar macroeconomicamente e consolidar o Plano Real. Mas, recentemente, a possibilidade se mostrou inadequada. “Levou governos à irresponsabilidade fiscal na busca pelo segundo mandato”, disse.
A mesma justificativa é defendida pela senadora Simone Tebet. “Se a reeleição acabasse, certamente, não teríamos políticas fiscais e econômicas irresponsáveis no ano pré-eleitoral”, disse a emedebista. Na avaliação do pré-candidato do Novo, Felipe d’Ávila, a reeleição “em si” não é o problema, mas “foi desvirtuada pela maneira inescrupulosa de manipulação do poder”.
Durante o evento da sua filiação ao Podemos, em novembro, Moro disse que a reeleição é uma experiência fracassada no Brasil. “O presidente, assim que eleito, e eu vi isso, começa a se preocupar mais com a reeleição do que com a população. Está em permanente campanha política”, afirmou, em referência ao período em que foi ministro da Justiça do governo Bolsonaro.
As assessorias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD) afirmaram que suas pré-candidaturas ainda não estão confirmadas e, por isso, preferiram não se posicionar. O presidente Jair Bolsonaro (PL) e André Janones (Avante) não responderam à reportagem.
‘Antagonismo’
O cientista político José Álvaro Moisés avalia que eliminar o instituto da reeleição não resolveria essas questões e enxerga um certo “tom populista” na proposta. “A natureza humana leva a uma ambição do poder. Então a solução é controlar as ferramentas que levam a esse abuso. Assim foi pensada a estrutura da democracia republicana”, afirmou.
Para Moisés, o aumento no número de presidenciáveis que apoiam o fim da reeleição está ligado ao resultado do governo Bolsonaro. Segundo ele, o presidente exacerbou a possibilidade de utilizar a máquina administrativa e o Orçamento por causa da reeleição.
“Fundamentalmente, a meta mais importante que se colocou em seu governo foi a reeleição. É, de certa maneira, um caso excepcional”, disse. “Não que outros presidentes não tenham feito algo nesse sentido, mas não desde o primeiro ano e durante todo mandato. Essa exacerbação criou um antagonismo na opinião pública à reeleição.”
Entre os defensores do instituto, o argumento mais comum é o de que, ao reeleger um presidente da República, o eleitor reconhece que um mandato de quatro anos é insuficiente para assegurar uma governança capaz de ter, efetivamente, resultados positivos.
Plebiscito
Para Álvaro Moisés, a possibilidade representa “um plebiscito” no meio de um período de oito anos. O cientista político pela USP Rubens Figueiredo ressalta que, quando a possibilidade de reeleição foi aprovada, em 1997, o governo precisava de mais tempo para fazer as transformações econômicas necessárias à época.
“A inflação era um problema gravíssimo. Então, naquele momento, o governo FHC significava uma estabilidade da moeda e um compromisso com disciplina fiscal. Sem um segundo mandato não seria possível concretizar as reformas para o Brasil avançar”, afirmou Figueiredo.
Cláudio Couto, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entende que durante a campanha candidatos tendem a se manifestar contra a reeleição na tentativa de mostrar desprendimento do poder, por considerarem que esse atributo pode ser benéfico aos olhos dos eleitores. O professor recorda que, frequentemente, candidatos se declararam contrários à reeleição e depois de eleitos mudam de ideia. Ou afirmam que, “em tese”, são contrários. “Mas, como as regras permitem, vão disputar a reeleição.”
‘O que está por trás são as condições de governabilidade e isso exige tempo’
O caminho mais razoável, na opinião do cientista político da USP José Álvaro Moisés seria que “ao invés do fim da reeleição”, os candidatos propusessem formas de controlar “os exageros e a exploração dos mecanismos”.
Os presidenciáveis utilizam o discurso contrário à reeleição para facilitar alianças políticas?
É provável que sim, mas nada disso existe com garantia. E ninguém pode dar uma garantia total de que no processo político não vai haver modificações, mudanças, em funções de novas conjunturas. É uma possibilidade, mas não é um imperativo.
Caso sejam eleitos, é provável que esses pré-candidatos mudem de opinião?
É impossível ter um controle absoluto sobre o que as pessoas farão no futuro, principalmente no terreno da política. Por uma razão simples: a política não é uma ciência exata. Mudam as conjunturas, mudam também as condições e os atores podem mudar de opinião. Podem mudar de projeto. Ainda que isso seja indefensável pela opinião pública.
O que os candidatos querem ao anunciar que são contrários à reeleição?
Os candidatos que hoje defendem o fim da reeleição, ao invés de enfrentar o problema que está por trás da questão, estão adotando uma posição mais aceitável, mais próxima da opinião pública, mas sem enfrentar de frente a questão.
De que maneira poderiam enfrentar essa questão?
O que está por trás são as condições de governabilidade e isso depende de tempo, de energia, de capacidade de fazer. Quatro anos são mandatos muito curtos, que não resolvem o problema. Em alguns casos, é necessário ter um diálogo crítico com a opinião pública. Remar contra a corrente.
Então é um caminho menos simples?
São um conjunto de regras que podem ser tomadas, que precisam ser examinadas, refletidas e decididas pelo Congresso. Seria mais importante que os candidatos propusessem, ao invés do fim da reeleição, formas de controlar os exageros e a exploração dos mecanismos do que excluir a reeleição.
Ver todos os comentários | 0 |